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Ex-primeira dama Ana Maria Costa conta bastidores dos mandatos de Clain Ferrari

HUGO ANTONELI JUNIOR

INDAIATUBA – Uma jarra de água voadora passou por cima da cabeça da dona Ana Maria Costa Ferrari, ex-primeira dama da cidade. O ano ela não lembra, mas quem atirou, sim: o marido que era prefeito naquela época, Clain Ferrari. “Ele era muito correto”, conta. “Uma pessoa foi lá na Prefeitura pedir algo absurdo e ele ficou com muita raiva e por isso jogou a jarra na parede. Na mesma hora eu e o Bicudinho, um vereador da época, chegamos. A nossa sorte é que somos baixinhos e passou por cima”, relembra. A história é apenas mais uma que ela relembrou ao Comando Notícia sentada em um sofá na sala da mesma casa que mora há 40 anos, na rua 24 de Maio.

“Não tenho saudade daquela época. Nunca comi um almoço quente nos 10 anos que ele foi prefeito”, conta. Clain governou Indaiatuba de 1977 e 1982 pelo partido Arena e depois de 1989 a 1992, pelo PTB. “Era a gente sentar para comer que tocava a campainha. Vinha uma, duas, três comissões e diziam: “não consigo falar na Prefeitura, por isso vim aqui”, mas eu respondia que na Prefeitura ele trabalhava e em casa descansava”, diz. Ana conta que os pedidos eram basicamente pessoais como dentadura, laqueadura, vasectomia e materiais de construção.

“Tinha gente que queria ver o diabo, mas não queria me ver. A gente fazia as ações com o Funssol para arrecadar fundos para as campanhas, porque naquela época não tinha repasse da Prefeitura. Também dependíamos de doação. Um dia dei um enxoval para uma mulher na antiga 5, no Jardim Morada do Sol, em frente à um bar que a dona deixava a gente ficar ali e usar o banheiro. Ela disse: “fiquei esse tempo todo na fila para ganhar isso?” e tacou o pacote em mim, acertou na minha cabeça. Aí a assistente social Sonia Domingues falou que ela não ia ganhar mais e que fosse falar desaforos em outro lugar”, conta.

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Empresário deitado em frente à trator e arma na cabeça

Dois momentos de muita tensão marcaram as gestões de Ferrari. Um deles foi uma das “aberturas” que ele fez na cidade, a avenida dos Trabalhadores. “O japonês da Yahmar, que era dono do terreno todo, deitou na frente do caminhão. O Clain mandou o motorista descer e subiu para mostrar que ele ia abrir aquela avenida. É lógico que ele não ia passar por cima do rapaz, mas mostrou que ia abrir, ia tocar a obra, era necessário”, conta.

Mais tenso, outro momento foi com um fazendeiro que apontou uma arma na cabeça do então prefeito. “Tinha um lago em que morria muita gente afogada no tempo de calor. O Clain pediu para o dono do tereno dar um jeito e como ele não fez nada, foi lá estourar a lagoa. O dono chegou com um revólver na cabeça dele e o Clain disse: “pode atirar, mas o serviço vai ser feito”. Ele não se intimidava com nada. Nem sei como não foi assassinado na época igual o prefeito de Presidente Prudente”, relembra.

Florivaldo Leal, também do Arena, era um homem muito rico que resolveu virar prefeito de Presidente Prudente quando Ana e Clain moravam lá. Ele foi eleito, mas um funcionário público fez uma emboscada e o matou com golpes de machado em 1965. “Era um homem muito bom e honesto, só que aconteceu esta fatalidade. Se lá que era mais civilizado na época aconteceu, não sei como não foi igual aqui.”

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Carreira política e relação com o poder

O “jeito Clain” de governar, para Ana, é um dos motivos do prefeito não ser tão lembrado atualmente. “Faz muito tempo também, mas ele era muito duro. Se precisava te colocar no chão, fazia na hora e na frente de todo mundo, por isso criou algumas inimizades, nem todo mundo aceita, né? Ele não admitia falcatrua e virava um bicho quando contrariavam os seus princípios.”

A entrada na política aconteceu logo que o casal se mudou para Indaiatuba, em 1968. “Ele começou a ir nos comícios, naquela época era Brizola e Romeu Zerbini. Saía até bate boca em comício, briga. Quando viram um professor e advogado [Clain é formado em Direito], o chamaram e ele saiu como candidato, mas perdeu. Mas aí o mosquitinho da política picou e na outra eleição ele saiu com base. O vice era o Flávio Tonin. O Zé Carlos não quis e foi prefeito depois dele. Na outra era doutor Renato Riggio, um homem fantástico”, conta.

“Brizola era um homem boníssimo, mas totalmente sem instrução, era povão mesmo, por isso o chamavam de ‘mula’. Política naquela época era outra coisa”, diz. Como não havia reeleição, Clain precisou sair e voltou depois do mandato de Tonin [1983 a 1988]. Depois foi aprovada, mas aí ele não conseguiu mais voltar. “Embora ele tenha feito tudo o que fez, o Reinaldo [Nogueira, prefeito quatro vezes] era mocinho, um rapaz bonito, com carisma, simpatia e todo mundo gostava dele. A meninada mesmo, as senhoras de idade pensavam: ‘o Clain já teve a vez dele, vamos dar a chance para um jovem’ e assim foi.”

Clain Ferrari

Clain era conhecido por ser muito bom orador. “Não tinha discurso escrito, no máximo alguns tópicos. As defesas na faculdade de Direito ajudaram muito a desenvolver este dom. Ele nunca perdeu um júri. Naquela época a política era outra, os comícios lotavam. Lembro que uma vez veio a Inezia Barroso cantar. O Clain conhecia um empresário e ela veio de graça, ensaiou aqui em casa e cantou no comício.”

“Depois ele tentou voltar, mas o Reinaldo saiu e se elegeu. O Clain chegou a lançar o Luchini [a vice era Aydil Bonachela], mas não deu e depois para deputado era preciso muito dinheiro para fazer a campanha e a gente não tem, ele é professor aposentado e apesar de ser muito bom orador, não tinha cacife.”

“Agora não temos mais contato, eram só encontros sociais, mas agora ele com mais de 80 anos é difícil sair de casa. O Reinaldo [Nogueira] a gente conhece desde moleque. O José Onério [ex-prefeito] sempre foi reservado. [Nilson] Gaspar também era moleque.  Quando ele saiu para prefeito, o Clain já estava muito doente. O Cidão [pai do Gaspar] é muito amigo do Clain. A última vez que ele foi em um evento público foi uma medalha que ele recebeu na Câmara. O Hélio [Ribeiro, PSB, presidente] chama sempre para as festas do Morada do Sol, mas ele não tem mais condições físicas de ir. Foi um orador fantástico, mas não consegue mais falar direito”, revela.

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Faici e decoração de Natal

A Faici, atualmente conhecida como uma festa com muitos shows sertanejos, começou naquela época. “A gente sempre acompanhava os grandes rodeios e o Clain resolveu criar, as famílias que cuidavam das barracas na época. Nesta época que se iniciou a decoração de Natal, sempre ao longo da rua 24 de Maio, com muitas luzes. A idealizadora dos primeiros enfeito de rua foi a Maria Provenza. Era uma decoração linda, muitos anos usaram”, diz.

“Naquela época as colônias participavam da Faici. Ele convocou os secretários e disse: ‘vocês bolem o que quiser, mas se virem para fazer’. Cada um cuidava de um setor. No final deu tudo certo, mas passava pelo meu ouvido. Imagina ter três filhas moças naquela época na festa? A gente deixava porque era muito familiar. Hoje em dia tem muito roubo de celular. Naquela época nem tinha. Quando surgiu, ainda, era tipo um tijolo”, brinca.

“Foram diversos shows. Teve até o Roberto Carlos, mas não lembro se foi na Faici. Trouxemos Duduque & Dalvan, Milionário & José Rico, veio Beth Carvalho, Emílio Santiago e o Chitãozinho & Xororó. Lembro também que veio o Moacyr Franco. Foi fantástico. Ele trouxe um bando e foi muito divertido”, diz. “A Clara Nunes veio pouco antes de falecer.”

Parque Ecológico

“Quando o Clain ainda estava bom a gente ia passear no Parque Ecológico”, conta. O projeto foi elaborado no tempo do governo do ex-prefeito e o Comando Notícia fez um especial sobre o assunto no aniversário de Indaiatuba no ano passado, com o arquiteto Ruy Ohtake.

“Fiquei impressionada com o tanto de pessoas fazendo piquenique, com rede, mesas, cadeiras. Ele tinha uma visão fantástica. Ninguém podia tirar dele a ideia de que a cidade tinha que crescer para aquele lado. Era um lixão e o Clain resolveu chamar o Ruy [Ohtake], que tem uma cabeça fantástica, moderna. Ele se interessou, gostou do projeto. A cidade era um ovo, fechada. As ruas acabavam antes do Parque. Era tudo propriedade rural. É porque naquela época não tinha diretriz nenhuma e os prefeitos faziam de qualquer jeito.”

“Isso é uma parte boa de Indaiatuba. Os prefeitos que vieram depois do Clain continuaram o projeto, diferente de outras cidades em que havia briga política e o prefeito era eleito e destruía o que o anterior tinha feito. Como tudo foi continuado, a cidade é o que é hoje”, encerra.

Fotos: Werner Munchow/divulgação/reprodução