MARCOS KIMURA*
No ano em que se encerram duas das maiores franquias do cinema – Marvel/Vingadores e Star Wars – infelizmente não podemos listar seus derradeiros filmes entre os melhores do ano. “Vingadores: Ultimato” por inventar uma físcia própria para justificar incongruências do roteiro, ainda que a imensa maioria dos fãs tenha adorado, e “Star Wars: A Ascensão Skywalker” por descartar o caminho interessante que Rian Johnson havia apontado em “Os Últimos Jedi” (que a Força estava em todo lugar e não era uma exclusividade de uma elite) para se render às soluções fáceis para
agradar os fãs mais xiitas (como tirar um vilão morto e enterrado da cartola).
No entanto, se 2019 foi confuso em outras áreas – especialmente para a Cultura em geral neste País – a Sétima Arte foi bem servida. Nesta retrospectiva, nos ateremos a filmes exibidos em salas de cinema, particularmente em Indaiatuba. Dito isso, precisamos destacar a volta em grande estilo de duas das mais importantes grifes do cinema contemporâneo.
Pedro Almodóvar retornou à boa forma com “Dor é Glória”, após o decepcionante “Julieta” (para o padrão do espanhol) e “Amores passageiros” (praticamente uma brincadeira do diretor). Seu ex-muso Antonio Banderas tem o que talvez seja o melhor papel de sua carreira e Almodóvar expõe mais uma vez sua própria vida na telona (que já havia feito recentemente em “A Má Educação”). É um dos 10 finalistas ao Oscar de Filme Estrangeiro, com chances enormes de entrar entre os cinco indicados, sendo saudado como mais uma obra-prima do cineasta de La Mancha.
Outro retorno festejado foi de Quentin Tarantino com seu épico “Era uma vez…em Hollywood”, um triunfo após o confuso “Os Oito Odiados”. Como em “Bastardos Inglórios” ele reconstrói a Califórnia do final dos anos 60, a era do flower power, que chegou ao fim justamente com o crime da família de Charles Manson. Leonardo di Caprio e Brad Pitt entregam atuações memoráveis e Margot Robbie mostra porque é uma das estrelas em ascensão da atualidade.
Mas, para mim, a grande surpresa do ano, e possivelmente o melhor filme, ficou fora do radar da maioria dos críticos e dos festivais. É o dinamarquês “Rainha de Copas”, de May el-Toukhy, que inverte a situação habitual do abuso de menores de forma tridimensional, sem concessões e de forma brilhante. A protagonista Trine Dyrholm está espantosa e deveria estar entre as finalistas do Oscar.
Outro filme desconcertante é “Nós”, o segundo longa de Jordan Peele, após surpreender o mundo em “Corra!”. Aqui, ele cria uma sci-fi que se inspira em “Invasores de Corpos”, originalmente fruto da paranoia da Guerra Fria, agora é uma metáfora sobre as duas Américas, a da superfície e a que é varrida para baixo do tapete. Um filme que fica com o espectador muito depois das luzes se acenderem, e que crescer com a reflexão.
O coreano Bong Joon Ho é outro que costuma utilizar metáforas para criticar situações atuais, especialmente a desigualdade social, usando gêneros como terror, sci-fi e, em “Parasita”, comédia e costumes. Centrando a ação em duas famílias, a dos desvalidos oportunistas e dos ricos e aparentemente bonzinhos, o cineasta constrói uma parábola sobre a luta de classes, não a marxista, mas a de quem cheira diferente. Uma porrada.
Se a mega-reunião dos super-heróis da Marvel desapontou, o solitário vilão da DC surpreendeu a todos. “Coringa” não apenas eleva o antes comediógrafo Todd Phillips (lembrem-se que é dele a trilogia “Se beber, não case”) à condição de cineasta do primeiro escalão, como também pode trazer justiça a Joaquin Phoenix, que há anos merece a estatueta dourada.
Conseguiu a proeza de agradar a esmagadora maioria da crítica como ultrapassar o número mágico de 1 bilhão de dólares na bilheteria. Isso com um orçamento muito menor que, por exemplo, “Liga da Justiça”.
Pegando a rebarba do Oscar passado, o Cineclube Indaiatuba teve a oportunidade de exibir algumas produções que passariam batidas não fosse nossas sessões especiais. Os destaques ficam por conta de “Cafarnaum”, de Nadine Labaki (de quem já havíamos exibido “Caramelo”, “E agora, aonde vamos?”). candidato libanês ao prêmio de Oscar Estrangeiro: “Se a rua Beale falasse”, um filme de Barry Jenkins superior ao seu oscarizado “Moonlight” e que deu o Oscar de Atriz Coadjuvante à sensacional Regina King; e o belíssimo “Pássaros de Verão”, da dupla Cristina Gallego e Ciro Guerra, finalista ao Oscar de Filme Estrangeiro representando a Colômbia, e que já empalou a atriz Natalya Reyes no último “Exterminador do Futuro: Destino Sombrio”.
Por último, mas não menos importante, tivemos o cinema brasileiro, marcado principalmente pelo terremoto “Bacurau”, da dupla Kleber Mendonça Filho e Juliano. Foi o filme evento no Brasil, mais uma metáfora da situação atual, não apenas aqui, mas no mundo trumperizado.
Não enviá-lo como representante do País para o Oscar de Filme Estrangeiro foi não apenas uma covardia, mas justificada por uma lógica idiota. Ah, tem a Fernanda Montenegro, única brasileira indicada a um prêmio de atuação. Ah, é produzido pelo Rodrigo Teixeira de “Me chama pelo meu nome”. A qualidade artística inferior de “A vida invisível”, com todo respeito ao Karin Ainouz de “Madame Satã” e “O Céu de Suely”, não importou. Outro filme nacional ignorado que merece uma visita é “Divino amor”, do mesmo Gabriel Mascaro de “Boi Neon”, passado num Brasil distópico governado por um estado cristão fundamentalista, com uma Dira Paes inspiradíssima.
*Marcos Kimura é jornalista e curador do Cineclube Indaiatuba (SP).
fotos: reprodução