A fé como meio de enfrentar a dor – mãe de Mabson Dechechi relata luta contra a perda
HUGO ANTONELI JUNIOR
Era madrugada de quarta-feira, dia 25 de fevereiro de 2015, quando dona Elisabette e seu Antonio Dechechi receberam guardas na residência onde moravam no Jardim Colonial, em Indaiatuba (SP). A notícia não era fácil de dar, e seu Antonio foi até a faculdade onde estava o filho, que acabara de ser assassinado brutalmente.
Quatro anos depois e ainda sem ter visto o assassino ser preso, a família recebeu o Comando Notícia e contou como vem enfrentando a dor da perda de um jovem de 30 anos no auge da vida. Dona Bete, como é conhecida, está envolvida com trabalhos na comunidade São João Paulo Segundo, no Parque Campo Bonito, e fala de Deus, de Justiça e revela que foi avisada da morte do filho quatro vezes antes de acontecer. Saiba também a partir de agora como está a investigação.
“Tem gente que pergunta como a gente consegue ficar de pé, ainda frequentar a igreja. Servir a Deus na alegria é tão bom, mas na tristeza é melhor ainda. Eu não sou forte. É Deus que me carrega. Todo dia eu levanto de manhã e rezo: “Jesus, fica comigo, me carrega”. Não questiono Deus”, afirma dona Bete.
“Tenho 23 pés de rosas no meu jardim, uns 50 vasos de orquídeas. Quando eu comento os ao vivos de vocês, sempre falo que estou assistindo do recanto do Mabson. Hoje moramos eu, meu esposo, meu filho, minha nora e os filhos deles, todos juntos, assim como o Mabson queria, em uma terra abençoada onde tudo o que plantá, dá.”
“Eu digo que de tudo o que eu passei na minha vida, uma coisa que nunca abalou em mim foi a minha fé. Eu fiz um propósito quando eu casei: não viver o que eu vivia na casa dos meus pais, onde meu pai espancava minha mãe. Eu passei para os meus filhos outro modelo de família e tudo o que eu passei, eles cumpriram. Quem me ajuda é Deus e meu filho”, conta.
Dona Bete diz que quando Mabson tinha 13 anos, Deus a avisou pela primeira vez sobre a tragédia que viria. “Estava rezando quando vi ele morto. Dos 13 aos 30 anos, Deus me mostrou quatro vezes. Eu sempre falava pra Deus que não estava preparada, para ele não fazer aquilo, que eu não ia aguentar. Duas vezes eu vi ele morto enquanto eu estava rezando e duas vezes eu sonhei. Um ano e meio antes da morte dele, eu sonhei a mesma cena que eu vi no cemitério, a mesma camiseta que o irmão dele escolheu para ele”, conta.
Ela afirma que o relacionamento que Mabson estava mantendo a fez entrar em depressão meses antes da tragédia. “No Carnaval anterior, pedi para Deus que fizesse o melhor para ele. Falei que Deus podia até rasgar meu coração, mas que cuidasse do dele. E eu não reclamei um minuto, não questionei. Porque, primeiro, Deus vinha me avisando. E, segundo, Deus me deu durante 30 anos um filho maravilhoso.”
Comunidade São João Paulo Segundo
“Tudo o que eu faço pela comunidade não é nada, é amor, é puro amor. Já falei que o amor que sinto pelo meu filho, eu sinto por esta comunidade”, afirma. Participativa nos eventos, ela e o marido ajudaram na construção e nas celebrações. “Vou trabalhar aqui até eu morrer. Já fiz parte de outras comunidades, mas esta é especial para mim.”
Netinha
A família saiu da casa na cidade e foi para uma área rural, onde tem uma chácara que moram todos. “Aqui tem tudo o que o Mabson gostava. Campo de futebol, tem um lugar onde a gente planta”, diz. A mudança foi no mesmo ano da tragédia, e pouco mais de um ano depois, eles ganharam um presente, a netinha, do outro filho que tem.
“Tudo o que o tio gostava, ela gosta. É carro, bola, moto”, afirma. “Era para ela nascer no mesmo dia dele, mas a gente preferiu que não, porque eu acho que cada um tem que ter o seu dia. E também quando ela fizesse aniversário, a gente ia estar meio triste”, afirma. Para o vô, a neta foi a salvação. “Tem um apego muito grande, é um grude. Para ele, é tudo. A netinha veio para alegrar a vida dele.”
Depoimento no fórum
No final do ano passado, dona Bete afirma que pediu a palavra. “Os direitos humanos nunca vieram aqui na minha casa oferecer ajuda. Nós sofremos. Cada dia um tá de um jeito aqui. Eu tomo remédio. O que eu tenho para fazer hoje é no cemitério levar flor. A gente chega lá numa situação tão difícil. Parece que a gente que é a assassina, parece que a gente que é bandido. Eu tenho muita fé em Deus que a Justiça vai acontecer.”
“Eu disse para a juíza. Faz três anos e oito meses que dois loucos, dois psicopatas interromperam os sonhos dele, destruíram a minha família. Enquanto restar um respiro de vida em mim, vou lutar para, tanto quem articulou, quanto para quem puxou o gatilho, pagarem. Agora fica pedindo liberdade, pena branda. E eu não aceito pena branda. Não pensou nisso na hora de matar meu filho?”, conta. “Onde está o meu indulto? Eu vou lutar para que eles paguem o que merecem, eu quero a pena máxima.”
Dia da tragédia
Dona Bete conta que foi dormir naquela quarta-feira e perguntou para o marido onde estava o Mabson. “Ele tinha terminado com a noiva, pensei que estava com ela, eles tinham terminado tantas vezes. E dormi. Quando foi uma e meia da manhã, acordei com ela [a noiva] gritando no meu portão que tinham matado ele”, conta.
“A polícia levou meu marido e falou para o meu outro filho ser o homem da casa. Eu ajoelhei, rezei e subi no quarto dele. Abri a Bíblia dele. Aí a palavra de Deus já confirmou para mim que ele estava morto”, afirma. Na Bíblia estava o verso 22 do capítulo 41 do livro de Ezequiel. “Havia um altar de madeira com um metro e meio de altura e um metro em cada lado; seus cantos, sua base e seus lados eram de madeira. O homem me disse: “Esta é a mesa que fica diante do Senhor”.“
Seu Antonio não atendia o telefone, mas em um momento eles se falaram. “É difícil dar uma notícia dessas por telefone”, afirma ele. “Quando atendeu”, conta dona Bete, “perguntei onde estava o Mabson. Ele falou que estava lá, mas muito machucado, que eu tinha que ser forte. Perguntei porque não o levaram para o hospital. Perguntei se ele estava consciente. Aí ele não respondeu. Aí meu sobrinho pegou o telefone e falou para eu ser forte. A palavra já tinha me confirmado”, relata. “Aí eu perguntei. “O Mabson está morto?”. Aí ele disse que sim. Aí o chão abre. É muito difícil.”
Investigação
De acordo com o delegado da Polícia Civil responsável pelo inquérito, Danilo Amancio Leme, o caso é tratado como solucionado. “Nós sabemos quem cometeu, mas ainda não foi preso. Recentemente veio uma denúncia de que ele estaria pela cidade, mas não se confirmou. A mulher dele foi ouvida, disse que ele estava no Paraguai. Mas a investigação está encerrada nesta questão de quem cometeu. Tanto que já foi para julgamento e mesmo se ele não for preso, será julgado”, diz.
Defesa
O advogado Alexandre Soares Ferreira, que representa a família no caso, afirmou ao Comando Notícia por telefone que ainda não há um prazo, mas que um julgamento deve ser marcado. “Estamos em uma fase que se chama sentença de pronúncia, onde a juíza do caso vai verificar se ele vai ser julgado pelo tribunal do juri ou não. Acredito que, por se tratar de um homicídio doloso, ele deve ser julgado por um juri popular. Apesar de ele não ter se apresentado, há um representante da defesa dele no processo”, diz.
“Não dá para precisar a pena, mas vai ser condenado, embora teoricamente ainda é cedo. No meu entender, tudo indica nos autos que ele vai ser condenado. As provas apontam pelo cometimento do crime, por ciúme, pela história que vocês já conhecem, homicídio doloso qualificado”, informa.
Mesmo sem estar preso, ele pode ser julgado e o fato de ele ter fugido não agrava em nada a pena, de acordo com o defensor. “A pena mínima são 12 anos de prisão. Como advogado da família da vítima, a gente representa para que ele pegue um pouco mais. Por ter sido um crime bárbaro, por motivo torpe, impediu a defesa da vítima. Uma pena próxima aos 20 anos. E a condenação, principalmente, precisa resultar na prisão dele”, encerra.
O caso
O estudante Mabson Dechechi, de 30 anos, foi encontrado morto dentro do carro no estacionamento da Faculdade Max Planck. O crime aconteceu na noite do dia 25 de fevereiro de 2015. O acusado de cometer o homicídio é Jonathan Araújo. Ele teria ficado furioso quando descobriu um caso entre a esposa e Mabson. “Ele jurou para mim”, diz a mãe, “que tinha ficado com ela antes de tudo”. O acusado fugiu no dia do crime e nunca foi encontrado.
fotos: Hugo Antoneli Junior/Comando Notícia