HUGO ANTONELI JUNIOR
INDAIATUBA – Churrasco é uma mania de brasileiro e não pode ter uma folguinha que a galera se reúne para “queimar aquele carvão”. Quando não em uma churrasqueira, os pratos típicos também tem carne como um dos integrantes principais. Mas os costumes estão mudando e a carne vem deixando de ser a “mistura” principal nas mesas. Estima-se que 9% da população do País não coma mais carne, de acordo com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). O Comando Notícia, então, conversou com alguns indaiatubanos que resolveram viver um lado verde da alimentação.
A jornalista Nataly Miranda, que é vegana [não ingere nenhum alimento de origem animal como ovo ou leite] conta como foi a transição. “Faz mais de um ano que resolvi mudar. Conviver com pessoas onívoras [que comem carne] para mim é tranquilo até a linha do respeito da minha opção de não comer carne e eu respeitando a pessoa que quer comer”, diz.
A empresária Aline Manfrim, ovo-lacto vegetariana [ingere um pouco de ovos e leite], conta que desde sempre teve dificuldades de comer carne. “Quando criança não aceitava bem esse alimento, tinha aversão, mas acabava comendo. Na adolescência e início da fase adulta consumia pouco, pois não sabia substituir e não conhecia alternativas. Há três anos, munida de informação e despertar interno, parei. O processo foi interno, nada forçado. No início tinha proposta de que se tivesse vontade de comer, eu comeria, mas pelo contrário, a vontade nunca voltou”, afirma.
Questão cultural
Os costumes culturais e a falta de informação também fazem parte do cardápio da maioria. “Brasileiro acha um absurdo que outros países consumam carne de cachorro, mas, se pensarmos bem, em grande parte da Índia a carne de vaca é sagrada, e os judeus, por exemplo, não comem carne de porco. Não faço distinção entre vaca, cachorro, porco, cavalo, passarinho e peixe, são seres vivos. Não tenho nada contra quem come carne e convivo em harmonia com os carnívoros. Quero apenas que a sociedade se conscientize em relação ao consumo e produção”, afirma Aline.
De acordo com dados do Banco Mundial, 30% dos gastos de água potável no mundo são para a produção de carne. Mais da metade da produção de grãos é destinada para alimentar os animais para o abate, 91% da destruição da Amazônia brasileira, habitats e extinção de espécies vem da produção de carne.
“Acho até irônico alguns episódios da vida cotidiana, quando as pessoas veem, por exemplo, um apresentador de programa de culinária matando um animal para fazer a refeição e acham este fato um absurdo. A sensação que tenho é que algumas pessoas imaginam que a comida venha da prateleira do mercado”, diz.
Dificuldades nos restaurantes
Nataly diz que as opções para vegetarianos até aumentaram, mas para veganos continuam escassas. “As pessoas tem dificuldades de entender o que eu como. Geralmente quando eu vou em um restaurante, peço para que façam uma adaptação no prato, mas a sugestão nem sempre é bem-vinda”, reclama. “Não se amplia a variedade de legumes, tiram a carne e você acaba pagando o mesmo preço. As melhores opções acabam sendo o self-service”, diz.
Para Aline as opções são mais variadas. “Temos boas opções aqui em Indaiatuba. Normalmente, as churrascarias contam com um buffet bem servido de pratos quentes, saladas e legumes, apesar do ambiente não ser agradável aos vegetarianos. Tenho frequentado restaurante japoneses com opção de combinações com legumes, cogumelos e frutas. Até as franquias, tem se adaptado e passaram a oferecer opções sem carne”, conta.
“O mais difícil mesmo é encontrar opção legal em bares da cidade. Quando estava grávida e viajei pra Bahia, fiquei encantada com a alegria do povo em servir opção sem carne pra mim. Eles sempre davam um jeitinho de montar um prato típico sem carne. Também estão surgindo restaurantes vegetarianos em Campinas, por exemplo”, revela.
Restaurantes criam opções
Os restaurantes estão tentando se adaptar. Franquias mundiais como McDonald’s já enxergam os consumidores vegetarianos, dando mais opções. A rede testou neste ano durantes alguns meses um hambúrguer vegano na Finlândia, o McVegan. Feito à base de soja e acompanhado por salada, o prato também trazia tomate e picles frescos. Em uma entrevista, um representante da empresa confirmou que o McVegan está restrito ao McDonald’s Finlândia e que não há previsão para que o produto chegue a outros países.
Em Indaiatuba ouvimos duas empresas que tem cardápios especializados, uma delas é a franquia Saladenha. De acordo com o diretor de licenciamento de franquias, Renato Flora. “Acreditamos muito neste mercado. Tanto que temos em nosso mix cada vez mais produtos assim. Para o cardápio o verão de 2018 traremos novidades que irão focar mais este público”, conta.
“Atualmente temos a Saladenha Ana Vegana com base de grão de bico que está sempre entre as cinco mais vendidas. Temos também as nossas “Marmitenhas”, que são as refeições saudáveis e neste item temos o hambúrguer de quinoa com shitake acompanhado de legumes no vapor, que tem excelente aceitação, inclusive entre os não veganos”, revela.
Até a conhecida Casa da Esfiha se rendeu à tendência. São vendidas, de acordo com a assessoria de imprensa da empresa, 2,5 mil unidades da esfiha de abobrinha com muçarela mensalmente. Lançada em abril, o sabor se tornou o terceiro mais vendido, perdendo apenas para carne e muçarela. Ao todo são 30 mil esfihas vegetarianas ao mês, o que corresponde a 30% de tudo o que é vendido.
“O restaurante tem outros sabores como rúcula com tomate seco, catupiry, palmito, escarola, quatro queijos, entre outros. Além das esfihas, temos outros produtos vegetarianos, como fogazzas de muçarela e catupiry, patês, saladas e o mini burguer de falafel. A esfiha de abobrinha e o mini burguer de falafel foram os itens mais recentes e a inserção no cardápio teve o objetivo de atender aos pedidos de clientes”, afirma o sócio João Hélio de Oliveira.
“Segunda sem carne”
Tem até quem queira se conscientizar em não comer carne, mas diz não conseguir e acaba aderindo à campanha “segunda sem carne”, que nada mais é que não comer carne às segundas-feiras. Aline acha uma tentativa válida. “Admiro pessoas que mesmo sem a intenção de parar totalmente o consumo da carne, se conscientizam e tentam conhecer pratos novos vegetarianos e diminuir o consumo. O famoso arroz, feijão, bife e batata frita pode ser tranquilamente e saudavelmente substituído por arroz, feijão, legumes e verduras. Um cardápio rico em fibras dá uma sensação de sustância também”, afirma.
“Muitas pessoas acreditam que os vegetarianos substituem a carne apenas pela soja ou por ovo de galinha, o que é um grande engano. E outro grande engano é de quem para de comer carne sem buscar informações sobre alimentação saudável e passa a comer apenas combinações de refeição com excesso de queijo ou frituras. Na realidade, uma concha de feijão tem a mesma quantidade de proteínas que um bife. O arroz entra como carboidrato, a verdura como fonte de ferro e os legumes como vitamina”, explica.
Criação de filhos em um mundo “carnívoro”
Nataly é mãe da pequena Isabela e afirma que ensina a filha desde já os motivos que a levaram a optar pelo veganismo. “Quero que ela possa escolher, até porque o meu marido e pai dela não é vegano ou vegetariano. Estou passando a minha verdade para ela. Invisto em uma alimentação muito saudável e muitas pessoas falam: ‘que dó da menina, só come fruta’, mas isso para ela é muito gostoso e saudável. Até que ela tenha discernimento para decidir por ela própria, vou passar isso e amor aos animais, porque se ela ama, não vai querer comer”, conta.
A convivência com o marido não-vegetariano também é tranquila. “Não tenho problema nenhum. É uma opção muito pessoal, não precisa envolver ninguém. Não muda nada na nossa relação”, diz.
Aline também vive a mesma situação. “Meu marido come carne e prepara esses alimentos em casa. Sempre me apoiou no vegetarianismo e sempre experimenta e aprecia pratos sem carne que preparo, porém, atualmente, não pretende se tornar vegetariano. Minha filha completou um ano e meio agora e optamos, juntos, por não oferecer carne e leite de vaca a ela, mas consome ovos do sítio”, conta.
“Não pretendo impor essa dieta para minha filha. Sabemos que em algum momento ela pode ter a curiosidade de conhecer e querer comer carne animal, e é ela quem vai decidir se vai comer ou não, mas com a consciência de que o que está comendo é carne animal e não veio simplesmente da prateleira do mercado”, diz.
Paz entre todos
Apesar de discordarem da forma de alimentação da maioria Nataly e Aline concordam que deve haver paz entre todos, mas informação acima de tudo. “O mais importante: algumas pessoas dizem que comer sem carne custa caro. Grande engano. É possível comer super bem sem carne sem gastar mais que o normal. Alimentação saudável é acessível sim. E hoje em dia temos fácil acesso a informações. Algumas dicas de documentários são: A Carne é Fraca, Terráqueos, Cowspiracy e Paredes de Vidro. Acredito que com uma diminuição do consumo, conseguimos um mundo melhor para todos”, encerra.
Nataly completa. “Não somos superiores a ninguém. Que vegetarianos, veganos e onívoros convivam em paz e tratem-se apenas numa boa. Só queremos o bem. Se a pessoa escolher carne, quem somos nós para querermos ‘vegetarianizar’?”
fotos: divulgação