
Pesquisador francês radicado em São Paulo desenvolveu técnicas fotográficas antes de Daguerre e Niépce — e cunhou o termo “fotografar” em 1834
Muito antes da popularização da fotografia na Europa, um francês vivendo no interior do Brasil já experimentava formas de capturar imagens pela ação da luz. Hercule Florence, natural de Nice, chegou ao Rio de Janeiro em 1824 e, no ano seguinte, integrou como desenhista a famosa expedição Langsdorff ao interior do país. Após a jornada, casou-se e fixou residência na vila de São Carlos, atual Campinas, onde iniciou uma série de experimentos que o colocariam entre os pioneiros da fotografia mundial.
Instalado na região, Florence buscava imprimir um ensaio sobre os sons dos animais, fruto da expedição. Como havia apenas uma tipografia em toda a província de São Paulo, ele decidiu criar um sistema alternativo de impressão, batizado de poligrafia ( polygraphie), que utilizava pranchas de madeira embebidas em tinta. Ao tentar aperfeiçoar esse método, passou a explorar a câmera obscura e, em 15 de janeiro de 1833, registrou em seu diário a possibilidade de “imprimir pela ação da luz”.
Durante os testes, descobriu que o papel embebido em nitrato de prata escurecia mesmo após ser lavado com água. Notou também que as áreas claras apareciam escuras e vice-versa — criando, assim, uma imagem em negativo. Em 1834, Florence utilizou pela primeira vez o verbo photographier (fotografar) em seus escritos, antecipando o uso do termo que só se popularizaria anos depois na Europa.
Para tornar as imagens permanentes, Florence estudou livros antigos de cientistas renomados, como Berzelius, Fourcroy, Ritter, Gay-Lussac e Berthollet. Testou compostos fotossensíveis como nitrato de prata, cloreto de prata e cloreto de ouro — este último usado pioneiramente por ele, embora fosse caro demais para uso comum. Também experimentou diversos tipos de papel, optando pelo pergaminho da Holanda, utilizado em cartas. Como não havia fixadores eficazes, chegou a recomendar que os originais fossem vistos “à noite”.
Décadas depois, em 1972, o historiador Boris Kossoy, da USP, iniciou uma pesquisa que comprovou cientificamente as experiências de Florence. O material original foi apresentado por Arnaldo Machado Florence, bisneto do inventor e entusiasta de sua obra. Em 1976, com apoio do Instituto de Tecnologia de Rochester (EUA), os experimentos foram reproduzidos e validados. A pesquisa ganhou repercussão internacional e foi publicada no livro Hercule Florence – A descoberta isolada da fotografia no Brasil (Edusp, 2006).
Hoje, os manuscritos de Florence estão sob os cuidados de sua tataraneta, Tereza Cristina Florence, que lamenta o roubo de parte do acervo em 1989: “Os desenhos da câmera obscura, da máquina de poligrafia, as fotos das etiquetas de farmácia e dos diplomas de maçonaria foram levados da minha casa”. Felizmente, há cópias preservadas graças às reproduções feitas ao longo dos anos.
A história de Hercule Florence revela que grandes invenções podem surgir de forma paralela, em contextos distintos — e que o Brasil também tem seu lugar na origem da fotografia.
Com informação: Caminhos paralelos
Foto: Divulgação-PIXABAY