MARCOS KIMURA*
Assisti “Bacurau” com atraso, mas como ele vai dobrar a semana – quer dizer, vai continuar em cartaz na semana que vem – vou escrever duas críticas: esta, no Comando Notícia, para explicar porque quem gosta de cinema tem que assistir, e outro, na fanpage do Facebook Kimurascópio, com spoilers e analisando as inúmeras referências cinematográficas do roteiro.
O título deste texto pode parecer bombástico considerando que “A Vida Invisível”, eleito para tentar uma vaga nas indicações ao Oscar de Filme Estrangeiro, ainda nem foi lançado. A chamada Academia Brasileira de Cinema há muito anda descompassada com o que acontece na produção nacional, haja visto suas escolhas para disputar o mais importante prêmio da Sétima Arte: “Pequeno Segredo” (esnobando o muito superior “Aquarius”); “Bingo, o Rei das Manhãs” (na melhor safra recente, ele era o pior da ótima trinca completada por “O Filme da Minha Vida” e “Como nossos pais”) e, ano passado, o bizarro e ruim “O Grande Circos Místico”.
Este ano, mesmo sem ver o trabalho de Karim Anouz, posso adiantar que “Bacurau” devia ser o candidato ao Oscar. Se não dá para comparar qualidade no escuro, dá para assegurar que o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dorneles diz muito mais sobre o Brasil e o mundo de hoje. Confira a programação de horários.
É uma distopia passada num futuro muito próximo, em que pistas sutis apontam para um país e num mundo alinhados pela extrema direita, Nesse planeta – redondo, como abertura faz questão de frisar, ao som de “Não identificado”, com Gal Costa – o vilarejo pernambucano Bacurau é, ao mesmo tempo um fim de mundo e foco de resistência de organização popular e educação progressista. É onde vivem os indesejados e as putas.
Após o funeral de uma matriarca local, estranhos fatos começam a acontecer, como o sumiço da cidade dos mapas digitais e a visita de um casal de motoqueiros do “sulmaravilha”. São os primeiros sinais que forças ocultas tramam para que o desaparecimento virtual da cidade passe a ser também literal.
Em “O Som ao Redor”, o pano de fundo era a extensão do poder da tradicional oligarquia rural para a moderna área urbana. Em “Aquarius”, era a preservação afetiva e cultural contra a especulação imobiliária na orla do Recife. Agora, em “Bacurau”, o cenário é o sertão como uma metáfora do Brasil diante do mundo, e isso é que o torna universal.
Com certeza a crítica globalizada enxergou muito mais do que apenas um faroeste caboclo, mas uma sátira de como o Primeiro Mundo de Trump enxerga o Terceiro. Mais ainda: não adianta os americanófilos do Sul-Sudeste acharem que serão considerados iguais pelos ianques. Continuamos – todos – sendo “cucarachas”.
*Marcos Kimura é jornalista, curador do Cineclube Indaiatuba (SP) e escreve sobre cinema às quartas.
foto: reprodução/divulgação