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Crônicas do transporte: é mais barato e rápido ir de carro do Campo Bonito ao Centro

HUGO ANTONELI JUNIOR

Duas semanas antes da tarifa do transporte público ter o preço aumentado, o Comando Notícia vai percorrer algumas das linhas e conversar com usuários para trazer um retrato de como é a vida do indaiatubano que depende dos ônibus para se locomover dentro da cidade. Acompanhe a partir de hoje todos os dias uma crônica dentro de alguns itinerários, começando pelos bairros Parque Campo Bonito, Centro e Jardim Brasil.

Na linha Campo Bonito-Praça Dom Pedro não havia muitos passageiros.

Duas mulheres na faixa dos 40 anos, uma delas com uma criança, esperavam o ônibus em um dos pontos da avenida Ottília Ferraz de Camargo, no Parque Campo Bonito. Quando perguntadas sobre o próximo ônibus elas dizem que “já passou para lá, daqui a pouco ele volta”. Quando o ônibus começa a se aproximar elas atravessam a rua para pegar o coletivo do outro lado.

As mulheres estavam esperando do outro lado na sombra porque o ponto em que embarcaram não tem cobertura para o sol, apenas uma árvore ainda pequena. São 9h04 desta segunda-feira (28) e logo a linha encosta. A maioria dos passageiros embarcam no ônibus com o dinheiro ou cartão na mão para facilitar o troco do motorista – já que os coletivos não tem cobrador.

Não há muitas pessoas e há vários assentos vazios. O ar condicionado está funcionando, assim como o carregador de celular por via cabo USB. A linha usa a avenida Manoel Ruz Peres até o cruzamento com a avenida Engenheiro Fabio Roberto Barnabé, no elevado do Jardim Hubert. Aí o ônibus vira sentido Ário Barnabé. E é neste local que descem mais passageiros, cerca de sete, todas mulheres – incluindo as que embarcaram no ponto da avenida Ottilia.

O itinerário segue, então, subindo a Barnabé para a Francisco de Paula Leite. São poucos os passageiros que embarcam, inclusive na chamada Praça do Cato, onde o ônibus sequer é acionado. Muitas outras linhas que usam o mesmo trajeto são opções para os passageiros que vão para a Praça Dom Pedro. 

São 9h36 quando chegamos ao ponto em frente à igreja da Praça Rui Barbosa, a primeira parada, na rua Padre Bento Pacheco. O número de passageiros não é maior do que 15 e o primeiro itinerário termina em 32 minutos, tendo custado R$ 3,50. 

veículo combustível preço/pessoa preço total tempo
ônibus diesel  R$ 3,50 R$ 3,50 32 minutos
carro gasolina (R$ 4) R$ 0,69 R$ 3,46 16 minutos
carro etanol (R$ 2,73) R$ 0,48 R$ 2,43 16 minutos
carro (Uber)  indiferente R$ 3,75 R$ 15 16 minutos

Se fosse feito de carro, de acordo com o Google, o trajeto de nove quilômetros demoraria 16 minutos. Em um carro à gasolina, custando em média R$ 4 (ANP), fazendo 10 km/litro, o custo é de R$ 3,46 (site Qualp). Se o carro for movido à etanol e fizer 10 km/litro, o tempo de trajeto segue em 16 minutos e o custo é de R$ 2,43. Considerando que em um carro cabem cinco pessoas, a mesma viagem pode custar R$ 0,69 por pessoa em um carro à gasolina e R$ 0,48 em um carro à etanol. Se o trajeto fosse feito em um Uber, o preço inicial é de R$ 15.

Segunda parte

Chegou a hora da segunda viagem. São 10h37. No aplicativo da empresa Sou Indaiatuba, o próximo ônibus para o Jardim Brasil seria às 10h55. A plataforma para esta linha é a que tem saída na rua Doutor Oswaldo Cruz. Enquanto espero, converso com dois homens também estão esperando.

Um deles diz que utiliza com frequência o transporte. “Sempre atrasa. Todos os dias”, diz um deles, poceiro e que vai para Itaici. “Moro no Helvetia. Preciso pegar um ônibus para cá e depois outro para Itaici. Trabalho por conta própria”, afirma. E ele paga em dinheiro. A partir do dia 10, para fazer o mesmo trajeto desembolsará R$ 2,40 a mais.

Agora com as moedas à mostra – consigo levar o dinheiro trocado para a segunda viagem.

Mais calmo, o outro homem leva papeis dentro de uma sacola. Mora no Jardim Brasil e veio para o Centro buscar, “uma passagem daquilo que não atrasa”, como ele mesmo descreve, fazendo um gesto com a mão. É uma passagem de avião que comprou para a sogra, que irá passar uma temporada na Bahia. “Aquele é veículo rápido, né?”, diz.

Com quatro minutos de atraso em relação ao informado no aplicativo da empresa, o ônibus aparece. A linha Jardim Brasil/Carlos Aldrovandi fica com uma fila de cerca de seis pessoas. “Pergunta se passa no Centro”, me diz uma senhora. “Eu acho que não, mas fala direto com o motorista”, digo. “Não passa não, é ali na outra plataforma”, ele orienta. Sou o último a embarcar e desta vez dou o dinheiro trocado na lanchonete, R$ 3,50. O motorista vê a camiseta vermelha do Comando Notícia, abre um sorriso. “É isso mesmo?”, como quem diz: “vocês andam de ônibus?” – e eu respondo com outro sorriso. “É, estamos fazendo reportagens sobre o transporte”. 

Seu Jerônimo exibe o cartão. “Não sabia que ia ficar mais caro.”

Desta vez, ao contrário do primeiro coletivo, não tem lugar perto de nenhum carregador logo agora a bateria do celular está em menos de 20%. Do meu lado, na última fileira, senta o seu Carlos Jerônimo, de 62 anos. Trabalhador rural, ele conta que mora no Helvetia e que veio no Centro para ir ao médico – mostrando um exame tirado de dentro da sacola de plástico levemente branco. 

Ele começa a falar sobre a vida e onde trabalha há nove anos. Neste momento uma moça desce e é hora de aproveitar para sentar mais perto do carregador e plugar o USB. Azar. O carregador não está funcionando. A linha percorre o desvio do pedágio e vai pela Estrada do Fogueteiro até chegar em uma estrada sem asfalto. Nem asfalto, nem celular. A bateria acabou. Seu Jerônimo está com a sacola na mão. Restou apenas o caderno para anotar e esperar alguém descer para testar outro carregador.

Os carregadores de um dos assentos da linha do Jardim Brasil não estava funcionando.

“Pega na maioria dos ônibus, mas hoje não está pegando”, diz uma passageira, quando perguntada. Ela confirma que sabe que a tarifa vai subir. “Podia subir para R$ 4, né? E não R$ 4,10”, sugere, arredondando. Seu Jerônimo segue atento na conversa. “E o salário ó” – diz, fazendo o sinal com dois dedos como o professor Raimundo de Chico Anysio.

A conversa (e a viagem) não pararam por aí, mas a gente continua amanhã trazendo mais sobre o transporte. Desta vez, fazendo o trajeto oposto, do Jardim Brasil para o Centro.

fotos: Hugo Antoneli Junior/Comando Notícia