CidadesIndaiatubaPolícia

Em protesto, Comando Notícia pausa postagens sobre Covid-19 por 24 horas

EDITORIAL – HUGO ANTONELI JUNIOR

São duas pandemias. Uma é o coronavírus – invasor invisível que não sabemos de onde vem, mas sabemos para onde pode levar. A outra é a da desinformação. Esta é visível e também sabemos como termina – e não é nada bem. A onda de ódio e a infecção pelo coronavírus são semelhantes. Uma destrói a sociedade por dentro. A outra faz com que a respiração se torne difícil, até cessar. A sociedade não respira bem sem democracia e, portanto, sem diálogo. O diálogo é como a respiração. Entra informação, sai informação. Entra ar, sai ar. Sem informação a democracia morre. Sem ar, a gente morre.

Desde o início da pandemia são diários os ataques à liberdade de imprensa no âmbito nacional, estadual e municipal. Não houve um dia sequer que não houvesse um comentário, uma mensagem, uma ligação. Ameaças, xingamentos e tentativas de questionar a importância da imprensa. Fazer notícia é insalubre. Sabemos disso e mesmo assim seguimos. Colocamos em votação no Facebook um “silêncio de 24 horas” de notícias de Covid-19. A maioria das pessoas votou pelo sim. É uma triste constatação. A maioria dos nossos leitores prefere a falta de informação em troca de um “conforto”. É pura ilusão. A falta de informações não faz com que o acontecimento ruim deixe de existir. Sintomas. É a febre. Quais serão os próximos?

Cumpriremos a vontade da maioria, mesmo que pareça absurdo. Durante toda a quinta-feira, dia 11 de junho de 2020, o Comando Notícia não dará nenhuma notícia sobre o coronavírus. As notícias seguirão. Se acontecerem, serão dadas ao vivo. Menos Covid-19. As notícias voltarão com o tema coronavírus na sexta-feira, dia 12. Por que essa atitude? É um protesto. Um protesto silencioso. Uma forma de chamar a atenção do público. Parte da importância em noticiar está em educar também, mesmo sabendo que 90% das pessoas nem chegará a esta linha e muitos dos que chegarem não vão entender totalmente o objetivo.

É nosso papel como imprensa dar informações às pessoas, independentemente se estas notícias serão agradáveis ou não. Não somos terapeutas. Não somos responsáveis pelo alto índice de pessoas com problemas de ansiedade. Não somos os causadores da depressão. Não somos o gatilho da síndrome do pânico. Nós damos notícias. Notícias!

Os tratamentos para pessoas ansiosas ou com síndromes são feitas por especialistas, com remédios, com terapia, com mudança de hábitos. Os problemas psicológicos não são problemas causados pela sociedade, são problemas que acontecem quando uma pessoa absorve os males que a sociedade grita. Você tem duas opções: ou você tampa os ouvidos ou você aguenta o grito alto. Se te doem os ouvidos, não ouça. Se for ouvir, saiba que é um grito. E a sociedade grita por liberdade, por transparência, por democracia. Quanto mais claros os fatos, mais reais são as informações.

A esperança não acontece com notícias boas. A esperança vem de dentro de nós, mesmo em meio ao caos. Não seria nem necessário dizer isso que é óbvio, mas vamos lá. Não existe “lado bom da pandemia”. Existem lições da pandemia. E que a gente possa aprender. Não podemos normalizar a catástrofe. Se um avião cai, é óbvio, a notícia é a queda de um avião e não os que pousaram em segurança. Se um cachorro faz xixi no poste, não é notícia. A notícia é o poste fazendo xixi no cachorro.

Notícia é o inusitado, é o diferente, é o anormal. E, infelizmente, o anormal de ter políticos querendo mandar, impor, censurar ou até ignorar veículos de imprensa se torna uma rotina. Todo dia. Isso não pode acontecer. Valorize a imprensa. Valorize ainda mais a imprensa local. As grandes emissoras não virão fazer notícias do seu bairro, da sua cidade. Elas estão nas grandes cidades, nas capitais. Cidades do interior não são um ponto de interesse. Valorize os jornalistas que estão na sua cidade. Valorize cada linha que você lê. Tudo o que você lê agora, foi pensado antes, foi feito antes, foi planejado. Alguém trabalhou por isso. Por trás de um texto há uma pessoas. Às vezes mais de uma.

Essas pessoas precisam ser valorizadas urgentemente. Mas infelizmente a maioria só vai valorizar quando perder. Quando não tiver mais. E aí, de dentro da boca do dragão, tentando abrir a mordida pondo as mãos nos dentes afiados dele, perceberão que é tarde demais, que tudo acabou, que não há mais liberdade. É para isso que caminhamos. O nosso silêncio de 24 horas é um protesto.

Um protesto pela liberdade de falar. Não é falar sem receber críticas. É falar sem ter que provar sua importância a cada linha. Foi através da imprensa que o Brasil foi às ruas pedir Diretas Já depois da ditadura militar. Foi através da imprensa que descobriu-se a doença que mataria o então presidente eleito Tancredo Neves. Foi pela imprensa que o esquema de corrupção que derrubou Fernando Collor de Melo tomou grandes proporções.

Foi pela imprensa que o escândalo de compra de votos para aprovar a reeleição foi tornado público no governo Fernando Henrique Cardoso. Foi pela imprensa que a operação Lava Jato se tornou conhecida durante os governos Lula e Dilma. A mesma imprensa que mostrou os encontros secretos de Michel Temer às escondidas com empresários investigados. É a mesma imprensa que investiga e questiona as relações nada republicanas dos filhos do presidente Bolsonaro e sua conduta nada democrática e muito autoritária.

Foi pela imprensa de Indaiatuba que o escândalo BVA foi descoberto. Que os ônibus sucateados foram divulgados. Que os atendimentos no hospital vieram à tona. Ratos em cozinhas que serviam crianças. Gastos desnecessários com publicidade que viraram processo, gastos questionáveis que se tornaram públicos. A reivindicação da CPI da Saúde, negada pela maciça maioria dos vereadores, assim como a verba milionária para a empresa de ônibus.

É sempre a imprensa. É ela quem te diz o que os poderosos querem esconder. Valorize. E se a gente está deixando de dizer hoje, as coisas não deixam de acontecer. As notícias de um dia serão dadas no outro, esse não é o problema. O problema é a gente querer fechar os olhos pela realidade. A realidade é dura. Mas a informação continua sendo o poder que ninguém te tira. Se você não sabe, fica a mercê de quem conta a história e sem saber o que quem te conta quer esconder. Contra todo esse ódio e violência, oferecemos silêncio barulhento e ensurdecedor da democracia.

foto: divulgação