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Homem condenado injustamente tenta assimilar liberdade após três anos na prisão: ‘Imaginei que fosse passar dez anos preso’

Pequenas coisas do dia a dia, como tomar um banho, abraçar o filho ou até beber um café, são tratadas como especiais pelo autônomo Cleber Michel Alves, de 41 anos. Ele foi solto em abril depois ficar preso por 3,5 anos por um crime que não cometeu – ou melhor, que sequer aconteceu.

Cleber foi acusado e condenado por um suposto crime sexual contra uma adolescente de 13 anos na cidade de Cerquilho (SP), em setembro de 2016. Entre as perdas sofridas durante o período em que ficou privado de liberdade, está o nascimento do filho, que ele não viu e só pôde conviver com o garoto depois de solto.

Hoje morador de Sumaré (SP), ele obteve a liberdade após intervenção do Innocence Project Brasil, braço nacional da ONG americana Innocence Project, que revisa processos para provar inocência em casos de condenação injusta (leia mais abaixo). Um dos beneficiados pelo projeto também foi Archie Williams, de 59 anos, um dos finalistas da 15ª edição do programa America’s Got Talent, e que ficou 36 anos preso por uma acusação equivocada de estupro e tentativa de homicídio contra uma mulher.

Nesta sexta-feira (2), Dia da Condenação Injusta, a rede internacional promove a conscientização sobre as causas no sistema judiciário e os enormes traumas que esses casos provocam nos condenados e famílias. Neste ano, a data terá participação ativa do Innocence Project Brasil.

“Hoje, eu vou aonde eu quero, na hora que eu quero. Sentia falta de um café, de uma bala. E imaginar que, se não fosse a ONG se interessar por casos como o meu, ficaria esquecido lá dentro. Imaginei que fosse passar dez anos preso”, afirma Cleber Michel Alves.

Ele foi preso depois que uma adolescente relatou que tinha sido raptada em frente ao colégio e levada para uma área de mata, onde foi depois amarrada. Ainda segundo esse relato, ela permanecido durante toda a tarde com o agressor. A garota apontou Cleber como criminoso.

O autônomo conta havia provas que poderiam assegurar sua inocência, como indicação dos locais por onde passou no dia do suposto crime.

Ele descreve que, após a condenação, teve de enfrentar celas abarrotadas e com poucas condições de higiene e comida por vezes estragada.

Como a ONG entrou no caso

Acionado por intermédio da irmã de Cleber, o Innocence Project Brasil entrou no caso em 2019.

“O caso dele se destacou. Desde o começo, parecia uma história mal contata da acusação e teria, em tese, novas provas para serem obtidas”, explica o advogado Rafael Tucherman, diretor da ONG.

Mas, apesar de a análise inicial apontar lacunas na condenação, como a falta de provas periciais, o desfecho favorável surpreendeu o próprio condenado.

“Eu sentia muito pelo o que havia acontecido com a menina, com o que ela dizia ter passado, mas sabia que não era eu. Mas quando vi que era mentira, isso me revoltou. Não quero vingança contra ela, nunca quis. Mas é duro pensar que quase perdi minha vida lá dentro da cadeia por isso.”

A mentira

O crime pelo qual Cleber foi condenado jamais ocorreu. Em um caso como o dele – que já havia atingido o estágio do chamado trânsito em julgado (ou seja, todas as possibilidades de recurso estavam esgotadas) –, somente o processo de produção de novas provas poderia produzir efeito favorável ao condenado.

Nessa fase, os advogados da ONG pediram à Justiça autorização para quebra do sigilo telefônico de Cléber, com a intenção de mostrar o deslocamento do autônomo no dia do suposto crime e, assim, assegurar que ele não poderia tê-lo cometido.

“Como, na narrativa original da vítima, existiam muitos celulares envolvidos, fizemos esse pedido. Primeiro, ela narrava que o suposto autor a teria deixado amarrada no local depois de atender ao celular. Depois, ela teria sido localizada por um rapaz que ouviu o celular dela tocando. Nesse sentimos, pedimos também que ela fosse, por meio da mãe, intimada”, lembra Tucherman.

As provas, no entanto, nem chegaram a ser produzidas. Após a intimação, a adolescente, na companhia da mãe, procurou a promotoria e revelou a farsa. Ela havia mentido sobre o crime pois havia passado a tarde na companhia do namorado.

“No final de março, chegou um papel da ONG, numa sexta-feira, lembro bem. Eu comecei a ver e li que a vítima tinha procurado a Promotoria pública e contou a verdade. Aquilo foi a melhor notícia da minha vida. Ali, sim, eu sabia que iria embora”, recorda Cleber.

O fato de a verdade vir à tona, entretanto, não apaga o sentimento de revolta.

“Fiquei sabendo que ela disse ter se arrependido. Demorou três anos para isso? Duro imaginar que não vai acontecer nada com ela, com o namorado dela, vão viver a vida tranquilos”, afirma Cleber.

Cleber Michel Alves ao lado da esposa, mãe e irmã após conseguir a liberdade em abril deste ano — Foto: Arquivo pessoal

 

Denúncia anterior

Cleber Michel Alves acredita que um fator que pode ter feito a adolescente apontá-lo como autor do suposto crime. Trata-se uma denúncia feita contra ele março de 2016, por ato obsceno.

O autônomo nega a acusação e alega tratar-se de uma confusão. “Sempre levava o celular no meio das pernas, parei para pedir informação e mexi no celular para atender. Dias depois, fui chamado na delegacia pois a moça [uma adolescente de 14 anos] disse que tinha me insinuado para ela. Nunca fiz isso. Mas o policial falou que precisava tirar uma foto, e foi essa foto que a adolescente [que disse ter sido raptada e violentada meses depois] teria me identificado”, conta.

Após a denúncia por ato obsceno, o autônomo chegou condenado a cinco meses de detenção em regime semiaberto – mas essa condenação saiu em março de 2019, ou seja, quando ele já estava preso pela falsa denúncia.

Segundo o advogado Rafael Tucherman, que não atuou no processo por ato obsceno, Cleber não terá de cumprir pena por essa condenação, em razão do período pelo qual já passou na prisão. “A punibilidade dele foi extinta”, explica.

Ainda de acordo com Tucherman, é comum que, em casos de condenações de inocentes, a pessoa tenha antecedente e que isso a torne “um suspeito preferencial”: “Mesmo que uma pessoa tenha praticado um crime no passado, o que não temos como afirmar em relação ao Cleber, isso não torna menos injusta uma condenação por crime que não cometeu”.

com informações de G1 Campinas. 

foto: divulgação.