Humilhação, ameaça com drogas, propinas milionárias- vítima revela detalhes de esquema criminoso com delegado e advogados em SP
Crimes forjados, ameaças com drogas sob a mesa, humilhação e pedidos de propinas milionários. Vítimas do esquema para extorquir dinheiro de empresários em Indaiatuba (SP) contam como atuava o grupo que envolvia de delegado a advogados e que contava, segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), com uma espécie de “gabinete do crime” dentro da delegacia da cidade.
Imagens obtidas com exclusividade pelo Fantástico mostram a contagem de R$ 500 mil que seria pago de propina ao grupo. Em um dos vídeos, um dos suspeitos, então servidor em Indaiatuba, cobra proprina atrasada de uma das vítimas.
“Eles tinham colocado umas drogas na mesa e se a gente não resolver, não fizer acordo, eles iriam falar alguma coisa desse naipe pra incriminar a gente”, contou uma das vítimas do grupo.
Segundo os investigadores, o esquema criminosos seria chefiado pelo delegado-titular do 1º DP, José Clésio Silva de Oliveira Filho. E dentro da delegacia havia uma “sala de extorsão” onde detidos eram ameaçados a responder por crimes que não cometeram, caso não pagassem a propina.
Ao todo, a Operação Chicago deflagrada na última semana tinha 14 suspeitos como alvos, entre policiais civis, advogados, guardas municipais e servidores públicos.
Segundo um promotor da investigação, os policiais entravam nos estabelecimentos, “invadiam sem mandado, sem ordem judicial nenhuma”, e acusavam os empresários de crimes. Depois, eram levados até a delegacia onde eram ameaçados.
“A gente acabou vendo que vocês têm crime de lavagem dinheiro, crime de mercadoria falsificada, de formação de quadrilha, de porte ilegal de arma, abuso sexual”, contou uma das vítimas em depoimento.
Uma das vítimas relata que chegava a ser humilhado, principalmente por uma das suspeitas, a investigadora Carla Cristina de Souza Moreira.
“Era o Márcio ‘treme-treme’ que conduzia, mas a pessoa que mais humilhava era a Carla. Era uma cara de deboche, uma cara de humilhação como se a gente fosse qualquer pessoa na frente dela. Autoridade em cima da gente”, disse uma das vítimas em depoimento.
O g1 teve acesso à lista completa dos 14 alvos da operação. Os nomes foram confirmados com as audiências de custódia realizadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (SP), que mantiveram a prisão temporária dos investigados.
Os policiais civis presos foram encaminhados para o Presídio da Polícia Civil, em São Paulo (SP), e os demais investigados estão encarcerados em cadeias e delegacias.
A Secretaria de Segurança Pública se limitou a dizer que a corregedoria da Polícia Civil acompanha o caso. Em nota, a Prefeitura de Indaiatuba informou que abriu procedimento administrativo e afastou os envolvidos. No caso de Fábio, o município afirmou que ele foi exonerado na quarta-feira (28).
Células de atuação
Além de Clésio, investigadores, guardas municipais, funcionários comissionados da Prefeitura e advogados são suspeitos de participação na organização criminosa. Segundo os promotores de Justiça, os outros integrantes atuavam em grupos dentro do esquema, as chamadas “células de atuação”:
- Policiais civis e guardas municipais: invadiam estabelecimentos comerciais para forjar falsos flagrantes contra os empresários e fazer, indevidamente, apreensões de bens e dinheiro.
- Advogados: atuavam como intermediadores no pagamento de propina, fazendo a contagem e o transporte do dinheiro, além de cobrar honorários sobre os valores extorquidos.
- Servidores comissionados: atuavam no contato com os empresários extorquidos a fim de cobrar as propinas previamente exigidas.
Segundo Paulo Carolis, promotor do Gaeco, essas foram as divisões de tarefas apuradas até o momento pela investigação e que podem ser melhor detalhadas quando ocorrer o oferecimento da denúncia à Justiça.
Invasão de comércios e fabricação de inquéritos
De acordo com o Gaeco, o grupo de Indaiatuba fabricava boletins de ocorrência, inquéritos e relatórios de investigação para sustentar exigência de pagamentos como preço de “resgate” de eventuais prisões decretadas ou garantias de não investigação.
Os boletins, as investigações e até as prisões eram forjadas. Segundo o MP, dezenas de empresários foram extorquidos no período de um ano. O valor das extorsões variava de R$ 1 a R$ 3 milhões.
Durante a operação, o servidor comissionado da Prefeitura de Indaiatuba, tentou fugir dos policiais, e foi encontrado com armas e drogas.
Ele ocupa um cargo de direção e assessoria na Secretaria de Assistência Social, tinha salário bruto de R$ 8 mil e, segundo a prefeitura, fazia o serviço de abordagem social com pessoas em situação de rua.
Na casa e no carro do suspeito, policiais encontraram armas de fogo e drogas. Por isso, além do cumprimento do mandado de prisão temporária da operação, o servidor também foi preso em flagrante por posse de drogas e porte ilegal de armas.
Segundo o Ministério Público, o delegado-titular do 1º Distrito Policial, José Clésio Silva de Oliveira Filho, é o suspeito de chefiar o esquema criminoso que extorquia dinheiro de empresários em Indaiatuba (SP).
“Ao delegado, neste momento na investigação, foi imputada a liderança dessa situação porque ele efetivamente firmava os documentos, como relatórios e instauração de inquérito policial. E os elementos são indicativo de que as propinas se destinavam a ele.”, explicou na terça Paulo Carolis, promotor do Gaeco.
A operação
Ao todo, promotores de Justiça, com o apoio da Polícia Militar e da corregedoria da Polícia Civil, cumpriram, na manhã de terça (26), 17 mandados de busca e apreensão e 13 de prisão temporária (por 30 dias). Além disso, 15 veículos foram apreendidos.
A suspeita é que os investigados tenham exigido, pelo menos, R$ 10 milhões de propina desde 2022, para arquivar investigações que eram forjadas pelos suspeitos.
Entre as vítimas estão cerca de 10 proprietários estabelecimentos comerciais, como supermercados, lojas de roupas e estacionamento de veículos.
Foram ainda expedidos, por determinação da Justiça,17 mandados de busca e apreensão. Todos cumpridos na última terça:
- Nos endereços dos 14 investigados;
- No prédio do 1º DP de Indaiatuba;
- Em dois escritórios de advocacia.
Crimes investigados
- Extorsão mediante restrição de liberdade
- Organização Criminosa
- Roubo
- Furto
- Corrupção ativa
Chicago: nome da operação
O nome da operação, “Chicago”, remete à cidade americana dos anos 20 e 30, quando gangsters governavam a cidade “à base de violência, desprezando a lei e criando fortunas com os crimes”.
Pelo menos 15 promotores de Justiça, 10 servidores do Ministério Público, 94 policiais militares e 19 policiais civis participaram da operação.
Foto: Jorge Talmon/EPTV