O medo da violência faz com que o brasileiro tenda a apoiar posições autoritárias, revela um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado nesta sexta-feira (6).
Intitulado “Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil”, o estudo parte das respostas da população a 17 enunciados colhidas pelo instituto Datafolha para criar o “índice de propensão ao apoio a posições autoritárias”. Numa escala de 0 a 10, o índice chega a 8,1 no Brasil.
O indicador foi construído a partir da Escala F, do filósofo alemão Theodor Adorno, de 1950, que tinha o objetivo de medir tendências antidemocráticas implícitas na personalidade dos indivíduos. O formulário, na época, tinha 78 itens, mas foi calibrado e chegou a 40 assertivas. No caso do fórum, o questionário foi limitado a 17 premissas, como, por exemplo, “a obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes que devemos ensinar as nossas crianças” (veja todas ao fim do texto).
Para chegar à conclusão de que o medo tem relação direta com o elevado índice, foram analisados outros 16 quesitos incluídos na pesquisa Datafolha, em que os entrevistados apontaram o medo de “morrer assassinado”, “andar na vizinhança depois de anoitecer” e “ser vítima de agressão sexual”, entre outros. O índice médio (de 0 a 1) ficou em 0,68 – e, mesmo com a divisão dos entrevistados em quatro grupos, todos ficam acima de 0,5, o que mostra que não há nenhum grupo que não tenha medo da violência.
“O medo da violência tem controlado a população adulta no país e, por isso, essa questão assume um papel central no contexto atual, em que vivemos uma profunda crise de legitimidade das instituições democráticas. Essa crise dá espaço a posições políticas e ideológicas que reforçam preconceitos, posições reacionárias e atitudes de intolerância e que podem levar a retrocessos dramáticos no que diz respeito a políticas públicas, em especial às voltadas para a área de segurança pública”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A pesquisa mostra que o índice de propensão ao apoio a posições autoritárias varia de acordo com a escolaridade, a faixa etária, a cor/raça, a classe econômica, o porte do município e a região do país.
“Investigar quais são as tendências autoritárias e violentas que estão presentes no atual tempo social em que vivemos e de que modo elas influenciam na construção das representações sociais sobre como segurança e cidadania devem ser reguladas e guiadas nos próximos anos é, em grande medida, um chamado para que cerremos fileiras e mobilizemos posições e posturas políticas que podem e devem ser fortalecidas na perspectiva de elas servirem de contranarrativa aos discursos autoritários”, afirma o estudo.
“A mensagem que queremos transmitir é cristalina: se o Brasil não encarar de frente o drama da violência e não construir um novo projeto político e institucional para a segurança pública do país, não só veremos as tentações autoritárias crescerem, como corremos sérios riscos de retrocessos civis, políticos, sociais e econômicos”, conclui.
O Datafolha fez 2.087 entrevistas em uma amostra estatisticamente representativa da população brasileira com 16 anos ou mais e em 130 municípios entre os dias 7 e 11 de março de 2017. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos para mais ou para menos, considerando um intervalo de confiança de 95%.
A pesquisa parte de questionários estruturados em seis níveis de concordância em relação às frases (concorda totalmente, concorda, concorda parcialmente, discorda parcialmente, discorda e discorda totalmente). Para isso, foram usadas as 17 assertivas divididas em três dimensões.
Submissão à autoridade (cujo índice fica em 8,08)
- O que este país necessita, principalmente, antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé
- A obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes que devemos ensinar as nossas crianças
- Não há nada pior do que uma pessoa que não sente profundo amor, gratidão e respeito por seus pais
- Nenhuma pessoa decente, normal e em seu são juízo pensaria em ofender um amigo ou parente próximo
- O policial é um guerreiro de Deus para impor a ordem e proteger as pessoas de bem
Agressividade autoritária (cujo índice fica em 6,50)
- A maioria de nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar das pessoas imorais, dos marginais e dos pervertidos
- Se falássemos menos e trabalhássemos mais, todos estaríamos melhor
- Deve-se castigar sempre todo insulto à nossa honra
- Os crimes sexuais tais como o estupro ou ataques a crianças merecem mais que prisão; quem comete esses crimes deveria receber punição física publicamente ou receber um castigo pior
- Os homossexuais são quase criminosos e deveriam receber um castigo severo
- Às vezes, os jovens têm ideias rebeldes que, com os anos, deverão superar para acalmar os seus pensamentos
- Hoje em dia, as pessoas se intrometem cada vez mais em assuntos que deveriam ser somente pessoais e privados
Convencionalismo (cujo índice fica em 7,36)
- A ciência tem o seu lugar, mas há muitas coisas importantes que a mente humana jamais poderá compreender
- Os homens podem ser divididos em duas classes definidas: os fracos e os fortes
- Um indivíduo de más maneiras, maus costumes e má educação dificilmente pode fazer amizade com pessoas decentes
- Todos devemos ter fé absoluta em um poder sobrenatural, cujas decisões devemos acatar
- Pobreza é consequência da falta de vontade de querer trabalhar
A propensão ao autoritarismo, no entanto, parece conviver com a adesão a uma agenda de direitos, segundo o estudo, que também calculou o “índice de propensão ao apoio à agenda de direitos civis, humanos e sociais”. Nesse caso, ele atinge 7,83 numa escala de 0 a 10. Inspirado na agenda de direitos promovida pela Constituição de 1988, a escala mostra o nível de concordância com pautas consideradas progressistas, a partir de premissas como “o movimento feminista ajuda na luta pela igualdade das mulheres com os homens” (com a qual 75% concordam ou concordam totalmente) e “a adoção de cotas raciais para negros em universidades e serviços públicos é importante para a redução da desigualdade entre brancos e negros no Brasil” (com a qual 68% concordam ou concordam totalmente).