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Primeira vitória no MMA como profissional emociona jovem lutador: “Já comi coisa do lixo”

O quão longe ir por um sonho? Matheus Santos, de 23 anos, saiu de Salvador rumo a Campinas, interior de São Paulo, em busca da chance de ser lutador de MMA.

Motivado a partir de um filme de José Aldo, o jovem encarou uma realidade muito longe das telonas e chegou até a comer restos de comida do lixo para, quatro anos depois, vencer sua primeira luta profissional.

A força para aplicar no octógno o golpe que foi decisivo para seu triunfo no Fight Pro Championship, de Bragança Paulista, no último sábado, foi conquistada em muitas das lutas que o jovem precisou superar longe do ringue.

Matheus Bahia comemora primeira vitória em luta profissional — Foto: Netto / Fight Pro Championship

Matheus Bahia comemora primeira vitória em luta profissional — Foto: Netto / Fight Pro Championship

Tudo começou em um campo de futebol na Bahia, onde Matheus nasceu e morou até 2018 com a mãe Eliana. Ele estava jogando bola com alguns amigos quando se envolveu em uma briga. Não conseguiu se defender e acabou levando a pior. Foi a partir desse momento que começou a treinar Muay Thai e Jiu Jitsu em busca de vingança.

Naquele dia eu só apanhei, mas com o tempo eu fui esquecendo isso e gostando muito do esporte. Eu aprendi também na academia que eu não podia usar o que eu estava aprendendo ali para agredir outras pessoas na rua sem motivo nenhum. O tempo passou e eu deixei essa história de lado para focar em mim.

Depois das primeiras lutas como amador, Matheus estava decidido que seguiria carreira na modalidade e teve José Aldo, bicampeão do peso pena do UFC, como inspiração.

Sentia que aquilo era pouco. Na época, tinha acabado de ver o filme do José Aldo contando que ele tinha saído de Manaus e ido para o Rio treinar. Aquele filme serviu como lição, foi uma coisa muito importante para mim. Depois que eu assisti que tive essa ideia de procurar outro lugar fora para treinar – lembrou Matheus.

Ele conheceu algumas academias da cidade de Campinas pelas redes sociais por meio de indicações e entrou em contato com os treinadores. Estava decidido a se mudar, mas sua mãe o fez esperar um ano até que completasse a maioridade para seguir seu rumo.

Depois de um desentendimento com Eliana, Matheus vendeu celular, bicicleta e algumas roupas para conseguir o dinheiro para a viagem. Ele também contou com a ajuda de alguns amigos, que doaram pequenas quantias.

Foi chegando ao estado de São Paulo que o jovem percebeu que a tarefa não seria fácil. Ele ficou hospedado na academia onde treinava, sem trabalho, e contava com doações para se alimentar.

Arrumei uma mala com o que sobrou, minhas roupas, luva e kimono. Saí de casa só com a cara e coragem mesmo. Hoje que eu vejo a loucura que fiz. Quando cheguei, não sabia qual ônibus pegar até a academia e gastei 70 reais num Uber. Fiquei só com 30 para me virar – disse Matheus.

As primeiras semanas de treinos também não saíram conforme o esperado. A intensa dedicação e também as dificuldades de se alimentar levaram seu físico ao extremo.

Matheus foi relacionado para suas primeiras lutas e acabou derrotado em todas elas. Diante da situação, o professor Otávio o chamou para uma conversa, e Matheus resolveu se abrir pela primeira vez sobre os obstáculos que estava enfrentando.

Já fiquei dias sem comer, comi coisa do lixo, resto de comida que o pessoal deixava. Nunca falei isso para ninguém na verdade, foi bem difícil mesmo. Mas foi graças a essa dificuldade que eu me tornei uma pessoa melhor talvez, aprendi a dar valor para muita coisa. Morei na academia de 2018 a 2019 e o Otavio foi me ajudando também com alimentação e roupas, eu devo muito a ele.

 

Otávio Carneiro (treinador), Otávio Azevedo (preparador), Matheus Bahia, Alemão (treinador), Marina (namorada) e Diogo (amigo) — Foto: Arquivo Pessoal

Otávio Carneiro (treinador), Otávio Azevedo (preparador), Matheus Bahia, Alemão (treinador), Marina (namorada) e Diogo (amigo) — Foto: Arquivo Pessoal

 

Com o apoio da comunidade, de amigos que fez no meio e treinadores, Matheus conseguiu virar a página. Ele provou sua vontade de aprender e começou a plantar as sementes de um futuro promissor na modalidade, marcando presença em diversos eventos de luta amadora.

Mas ele também precisava resolver questões pessoais. O primeiro salário, por exemplo, saiu de forma alternativa às lutas, fazendo entregas de comida com uma bicicleta. Também trabalhou como cozinheiro em restaurantes da cidade para conseguir se sustentar.

Paralelo a isso, surgiram dúvidas sobre o futuro da carreira no esporte. Ele tinha também o desejo de terminar os estudos – um sonho de sua mãe Eliana. Por isso, entrou num supletivo e deixou as lutas de lado por um período.

– Em 2019 eu soube que minha mãe estava com câncer, foi uma noticia muito forte para mim, achei que ia perdê-la. Mas ela é uma pessoa muito forte e eu herdei isso dela, essa força para lutar. Ela venceu o câncer e eu fui lá fazer uma visita. Depois disso nunca mais consegui ir, por condições financeiras, mas eu sei que mesmo de longe ela e toda minha família torce por mim. Ela com certeza é minha inspiração.

Matheus Bahia e a mãe Eliana — Foto: Arquivo Pessoal

Matheus Bahia e a mãe Eliana — Foto: Arquivo Pessoal

Matheus retornou aos treinos em 2021, com a vida estabilizada e com mais maturidade. Ele mudou de academia e se inscreveu para participar da primeira luta como profissional. Sua estreia foi no Jungle Fight 107, em São Paulo. Acabou derrotado por finalização, mas estava disposto a tentar novamente.

A vitória saiu no último sábado, quatro anos depois dele percorrer os mais de 1,4 mil km que separam Campinas de Salvador. Matheus conseguiu finalizar um adversário mais experiente, Diego Gonzaga, que até então tinha quatro vitórias profissionais e apenas uma derrota.

– É uma mistura de emoção e felicidade de ver todo o trabalho duro sendo compensado. Treinei muito e essa vitória foi uma recompensa, tirou um peso muito grande das minhas costas. Eu estava muito nervoso e chegando lá tive uma performance muito boa. Talvez se eu tivesse terminado a luta logo no começo não seria tão legal como foi, lutar dominando os três rounds. Eu devo muito a todos os meus treinadores. Esses cara mudaram a minha vida e um dia quero retribuir tudo em dobro. Sou muito grato a eles por tudo.

O jovem é conhecido hoje nos ringues como Matheus Bahia, apelido que adotou para homenagear o lugar onde tudo começou. E mesmo depois de tantas adversidades, ele ainda é o mesmo menino que sonha alto.

 

– Todo lutador quer ser campeão do UFC, eu não poderia deixar de sonhar com isso, mas entrar para o Hall da fama é meu sonho maior. Depois que parar de lutar e ter meu dinheiro das lutas, quero viajar mundo conhecendo cultura e comida de vários lugar. E daí abrir meu restaurante, porque sempre gostei de cozinhar – finalizou.

 

* Júlia Ribeira, estagiária, colaborou sob a supervisão de Heitor Esmeriz

Matheus Bahia comemora primeia vitória em luta profissional — Foto: Reprodução / Fight Pro Championship

Matheus Bahia comemora primeia vitória em luta profissional — Foto: Reprodução / Fight Pro Championship