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Vítimas revelam detalhes de assédio sofrido por pai de santo: ‘Uma história de dor que só acaba com a verdade’

Após a Polícia Civil confirmar que investiga denúncias de assédio sexual contra o pai de santo de um terreiro de Umbanda de Campinas (SP), vítimas deram detalhes de como o suspeito agia, usando da posição de líder religioso para manipulá-las.

Frequentador há 20 anos da casa em que o pai de santo atuava, o marido de uma das vítimas disse que mais casos devem aparecer, e pediu por novas denúncias para que situações como a enfrentada por sua família não se repitam.

 

“Tem muita gente ainda, com medo, escondida. Mulheres, pessoas que foram coagidas. Denunciem, só assim a gente pode acabar com essa impunidade. E quando há impunidade, essas pessoas voltam a fazer. Eu suplico que as pessoas tenham coragem de enfrentar isso. É uma história de dor, sofrimento, mas que só acaba dessa maneira, com a verdade”, disse.

 

Mulher detalha assédio que sofreu por pai de santo de Campinas (SP) — Foto: Jefferson Barbosa/EPTV

Mulher detalha assédio que sofreu por pai de santo de Campinas (SP) — Foto: Jefferson Barbosa/EPTV

 

Entre as vítimas está uma mulher que conheceu a casa em 1999, mas desde 2000 integrava a corrente e os trabalhos, chegando a atuar com o sacerdócio. Ela relata que somente na pandemia, após a pausa nas atividades presenciais, se deu conta dos abusos que sofria, e reuniu forças para denunciar o pai de santo.

“No pai de santo de um terreiro espírita nós depositamos toda nossa confiança. É como um pai mesmo, tudo o que a gente passa na vida, todas as dificuldades, os conselhos, a gente vai pedir para ele. Para a entidade e para o pai de santo”, explica.

Segundo a vítima, o primeiro abuso ocorreu em 2014, na sala do babalaô. Ela relata que ainda estava de licença-maternidade, e com a filha no colo, foi conversar com o pai de santo, como ela e outras pessoas sempre faziam, quando na saída ele se levantou, ficou próximo, colocando a mão por dentro da sua roupa e a tocando.

“Ele colocou a mão na minha vagina, introduziu o dedo, eu assustei, dei um tranco para trás. ‘O quê é isso, por que está fazendo isso?’, eu disse. Ele tentou me acalmar, dizendo que era normal, que precisava colocar a energia dele para continuar me ajudando”, conta.

Abusos e pressão psicológica

A mulher explica que a pressão psicológica colocada sobre o assunto a impediu de expor o caso.

“Ele colocou um peso nas minhas costas, que seu eu falasse sobre isso e as pessoas não entendessem, que o terreiro iria cair por minha causa. Que são milhares de pessoas, famílias que são assistidas pela casa, e eu iria destruir a fé. Eu destruir a fé? Então, eu não contei, porque tudo o que o pai de santo fala para a gente é lei. A gente deposita toda nossa fé ali. Não contei para meu marido, nem para ninguém. Isso causa muita dor em mim”, diz.

Com a voz trêmula e emocionada ao relatar os episódios, a mulher explica que os abusos continuaram até 2020, antes da pandemia. Segundo ela, depois do episódio na casa, na região do Taquaral, outras situações ocorreram no Vale das Garças, em outra unidade da Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim conhecida como “Aldeia”, onde são feitos trabalhos ao ar livre.

“Estávamos passando por dificuldades financeiras, e como tudo que é relacionado com matéria, quem cuida é Exu, em conversa com meu marido ele disse que para ajudar a gente teria que fazer alguns trabalhos, e fomos algumas vezes. A chácara ao lado é dele (…). Ele levava meu marido em um quartinho que tinha fundo, deitava meu marido na esteira e fazia o ritual, que era normal para a gente. Vela, espada, carranca de Exu. Dizia para ele fazer os pedidos deles, mas que ele ficasse lá até ele voltar”, relata.

Ao preparar esse ritual para o marido, o babalaô então ficava sozinho com a vítima, que teria de fazer entregas para a Pomba-gira. Segundo a vítima, o pai de santo explicava que o marido não seguia as orientações direito e que ela tinha de ajudá-lo e, para isso, mandava ela ficar nua.

 

“Ele introduzia o orgão dele em mim, falava que era para ajudar meu marido, que eu precisava da energia dele, porque Exu trabalha com energia sexual, que é matéria, sexo, e eu precisava disso. Falava para eu ficar firme e ajudar meu marido. Depois, eu saia chorando, ficava mal, mas ele sempre tinha a mesma história, de que não podia falar, que as pessoas não iriam entender, e que se eu contasse para meu marido, iria quebrar o trabalho e iria ficar pior do que estava”, detalha.

 

Marido de uma das vítimas de pai de santo de Campinas (SP) pede por mais denúncias — Foto: Jefferson Barbosa/EPTV

Marido de uma das vítimas de pai de santo de Campinas (SP) pede por mais denúncias — Foto: Jefferson Barbosa/EPTV

 

‘Não está sendo fácil’

O marido de uma das mulheres que denunciaram o pai de santo por abuso sexual disse que foi difícil reunir forças para expor o caso. Ele entregou o jaleco de trabalho na casa que frequentava havia 20 anos e na qual depositiva sua fé.

 

“Não está sendo fácil. Eu abri meu coração para todo mundo, entreguei meu jaleco. A gente estava lá por fé, por amor. Muitos ali estavam ali pelo bem, fazendo o bem por muitos. Essa pessoa conseguiu estragar uma casa, muitas famílias. Ele não vai destruir a minha família. Mas não vou ficar tranquilo enquanto não ver esse cara preso”, diz.

 

Segundo o homem, ele só descobriu que a mulher havia sido vítima após os casos começarem a ser expostos na casa, e ele entendeu que a esposa poderia ter sido um alvo do pai de santo.

“Um dia de tudo vir à tona, acreditava sim, nele. Tudo aconteceu com a procura de um amigo da casa, que perguntou se não estava estranhando a saída de algumas pessoas. Aí, ele me contou o que estava ocorrendo, deu nomes. Hoje eu já me emocionei. Terminei a conversa com ele, deu um estalo. Liguei para minha esposa, nem entrei na empresa e fui para casa”, recorda.

Ao procurar no celular da esposa as conversas com o pai de santo, ele estranhou que as mensagens estavam apagadas. “Eu perguntei o que estava acontecendo, disse que ele estava sendo acusado e que a gente iria lutar juntos. Peguei ela desprevenida, e ela falou que ele a agarrou.”

 

“Eu tinha uma família perfeita. Eu amo minha esposa. Esse cara colocava tanto medo em cima das mulheres, a pressão psicológica era tanta, que elas não conseguiam se desvencilhar, estavam escravizadas”, completou.

 

Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim em Campinas — Foto: Reprodução/Site oficial

Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim em Campinas — Foto: Reprodução/Site oficial

 

O caso

Após denúncias, um inquérito foi instaurado na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) na metrópole. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou apenas que o caso tramita sob sigilo.

O suspeito, que também atua como terapeuta, foi afastado das suas funções na Associação Pai Tajubim no dia 29 de junho, segundo nota da instituição, para apuração do caso.

A denúncia foi relatada à Associação das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac), e, em entrevista, a fundadora, Edna Almeida Lourenço, disse que as vítimas seriam integrantes da equipe de atendimento do terreiro, onde o suspeito atuava há cerca de 30 anos.

 

“São filhas da casa, davam atendimento, prestavam caridade. Esse momento que a gente está vivendo de tanto ódio e desprezo pelo ser humano está produzindo esses comportamentos. A questão do machismo… A palavra mais certa é que estou arrasada. Estamos lutando pelo respeito de pessoas de matriz africana, isso é uma derrota muito grande”.

 

“A gente não pode permitir que no lugar que você vai buscar a sua fé, aquilo que você acredita, num local onde pessoas estão para encontrar seu ponto de equilíbrio emocional, você é surpreendida que naquele lugar possa acontecer um caso como esse”, completou a fundadora.

 

Prpcedimento para apurar denúncia contra diretor espiritual foi instaurado na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas — Foto: Daniel Mafra/EPTV

Procedimento para apurar denúncia contra diretor espiritual foi instaurado na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas — Foto: Daniel Mafra/EPTV

A Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim existe há 71 anos e, em um comunicado, disse que o diretor “permanecerá afastado até a devida apuração dos fatos pelas autoridades competentes”.

“O afastamento foi uma decisão interna da casa, para averiguar. É uma decisão imediata par que as pessoas possam entender e que realmente possam resolver”, disse Edna.

 

Nota de repúdio

A Armac também divulgou um comunicado, repudiando a cultura do machismo e violências contra mulheres. No texto, ressaltou que a instituição deve enfrentar a apuração dos fatos com transparência e preservar as vítimas.

 

“Lembramos ainda que as condutas narradas pelos denunciantes constituem crime de assédio sexual previsto no Código Penal. Por isso, se faz necessário que os casos sejam investigados com seriedade pelos órgãos responsáveis e, se comprovados, que haja a devida punição, conforme define a Lei”, diz trecho.

 

“Reiteramos nossa luta por respeito às mulheres, seja no trabalho ou em todos lugares em que ela quiser estar, direito de ir e vir e pelo bem viver, saudáveis e seguros, pelo fim da violência contra a mulher e a devida punição para aqueles que violam a integridade física, sexual e moral das mulheres”, completou o comunicado.

 

 

 

 

 

Com informações de G1 Campinas.