
Olá, sejam todos bem-vindos ao bate papo semanal da nossa coluna Jurídica e o tema da semana é sobre herança.
Você já parou para pensar o que acontece com seu Instagram, WhatsApp, contas de e-mail, arquivos em nuvem e criptomoedas depois que você parte?
Em um mundo cada vez mais digital, nossos bens não são mais apenas físicos ou financeiros. E aí surge uma nova discussão no Direito Sucessório: quem herda seu patrimônio digital?
A chamada herança digital ainda é um tema novo no Brasil e carente de regulamentação específica, mas já movimenta os tribunais e provoca reflexões profundas sobre privacidade, legado e planejamento sucessório.
O que é Herança Digital?
Herança digital engloba todo o conjunto de bens, direitos e informações digitais que uma pessoa possui em vida e que podem ter valor pessoal, afetivo ou econômico. Exemplos:
– Contas em redes sociais (Instagram, Facebook, TikTok);
– E-mails, arquivos no Google Drive, Dropbox, iCloud;
– Canais de YouTube monetizados;
– Domínios de sites, blogs ou portais;
– Criptomoedas e ativos digitais (como Bitcoin, Ethereum, NFTs);
– Contas em plataformas de marketplace ou delivery com créditos;
– Carteiras digitais (PayPal, Mercado Pago, etc.).
O Patrimônio Digital: O Que Pode ser Herdado?
O primeiro passo é entender que a “herança digital” é dividida em duas categorias principais, e os tribunais têm tratado cada uma de forma diferente:
Bens Digitais Existenciais (ou Afetivos): Referem-se ao conteúdo de valor sentimental, sem valor econômico direto. Incluem perfis em redes sociais, contas de e-mail, mensagens, fotos e vídeos armazenados em nuvem.
Aqui, o direito à herança dos familiares colide com os direitos à privacidade, à intimidade e à imagem do falecido, que são protegidos pela Constituição. A justiça tem sido cautelosa ao permitir o acesso a esses dados. Em uma decisão recente, o TJ-MG — Agravo de Instrumento 17438143020248130000, negou a um espólio o acesso à conta do iCloud do falecido, entendendo que isso violaria sua intimidade, pois os bens digitais existenciais são, em regra, intransmissíveis.
Bens Digitais Patrimoniais: São os ativos digitais que possuem valor econômico claro. Os exemplos mais comuns são as criptomoedas (Bitcoin, Ethereum, etc.), milhas aéreas, domínios de internet, canais monetizados em plataformas de vídeo e NFTs (tokens não fungíveis).
Para a justiça, esses bens são considerados parte do patrimônio total da pessoa e, portanto, são transmissíveis aos herdeiros. Eles devem ser listados no inventário e partilhados seguindo as mesmas regras de um imóvel ou de um carro.
O que é o Testamento Digital?
Diante da falta de uma lei clara, a melhor forma de garantir que sua vontade seja cumprida é através do planejamento. O chamado “testamento digital” não é um documento separado, mas sim uma parte do seu testamento tradicional onde você especifica o que deve ser feito com seus bens e contas digitais.
Neste documento, você pode:
- a) Nomear um “herdeiro digital” ou um executor de confiança para gerenciar suas contas;
- b) Deixar senhas e instruções de acesso de forma segura;
- c) Determinar se um perfil de rede social deve ser transformado em memorial, permanentemente excluído ou se o acervo de fotos deve ser entregue a alguém;
- d) Indicar como seus ativos patrimoniais, como as criptomoedas, devem ser acessados e distribuídos ou até mesmo produtos digitais;
O Enunciado 687 do Conselho da Justiça Federal (CJF), citado em decisões como a do TJ-SP — Apelação Cível 1017379-58.2022.8.26.0068, já reconhece que o patrimônio digital pode ser objeto de sucessão, reforçando a validade dessas disposições em testamento.
Redes sociais: pode deixar acesso?
Quem administra?
As plataformas como Facebook, Instagram e Google têm suas próprias políticas para lidar com contas de usuários falecidos. Algumas permitem transformar o perfil em “memorial”; outras exigem ordem judicial para conceder acesso.
Mas atenção: mesmo que a família consiga provar o óbito, nem sempre as empresas liberam dados sensíveis. O STJ já enfrentou casos em que os herdeiros pediram acesso a fotos e mensagens e a Justiça teve que ponderar entre privacidade do falecido e interesse dos familiares.
E as criptomoedas?
Aqui o alerta é ainda maior: sem senha, não há herança!
Criptomoedas como Bitcoin, por exemplo, não estão vinculadas a um banco ou instituição central. Se a pessoa falece e ninguém sabe onde está sua carteira digital ou qual é a chave de acesso, os valores são simplesmente perdidos — para sempre.
Por isso, é fundamental documentar essas informações, de forma segura, para que os herdeiros possam acessar os ativos em caso de morte.
Quem herda?
A princípio, todo o patrimônio digital com valor econômico pode integrar o espólio do falecido, ou seja, pode ser partilhado entre os herdeiros legais ou testamentários, assim como um imóvel ou um veículo.
E se não deixar instruções?
Sem testamento digital, os herdeiros podem ter dificuldades (ou até impedimentos) para acessar ou administrar o patrimônio digital. Além disso, podem surgir conflitos familiares, ações judiciais longas e perda irreversível de bens.
Por isso, o planejamento sucessório precisa evoluir. Não basta pensar em imóveis e dinheiro: é preciso pensar em senhas, ativos digitais e legados online.
A herança digital é uma realidade. Enquanto o Congresso não cria uma legislação específica, a principal ferramenta para evitar conflitos e garantir que seu legado digital tenha o destino que você deseja é o planejamento sucessório.
Consultar um advogado para incluir cláusulas sobre seus bens digitais em um testamento é um passo fundamental para proteger tanto seu patrimônio quanto sua memória.
Espero ter ajudado e aproveito para agradecer todo o carinho que recebemos dos nossos leitores! Nos vemos na próxima semana!
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Até mais!

Kátia Cristina Rodrigues Fonseca
OAB/SP: 403737






