HUGO ANTONELI JUNIOR
INDAIATUBA – Com o regador em uma das mãos, seu Ivaldo da Silva, de 52 anos, anda por entre os túmulos do cemitério dos Indaiás durante quatro, cinco horas regando um por um. Ele se diz autônomo e é pago por famílias para manter as sepulturas limpas das folhas de árvores e para aparar a grama. O serviço custa menos de R$ 30. Ivaldo é um dos trabalhadores que ganham a vida com trabalhos relativos à morte e o Comando Notícia, na semana de Finados, conversou com alguns deles para saber quais são as rotinas e as peculiaridades da área.
Medo? “Vixe, Maria!”, brinca Pedro Bispo, de 73 anos, empregado da Corpus e Saneamento – empresa responsável pela limpeza em Indaiatuba, e realocado pela Prefeitura para o Indaiás. “A gente acostuma. Medo eu não tenho, mas no começo é ‘brabo’, viu? Eu fazia até o enterro”, conta, lembrando a trajetória na área que dura quase duas décadas. “Todo dia, 5 horas venho para cá. Moro no Morada do Sol e sou da limpeza geral. Foi com esse serviço que consegui sustentar a minha família”, diz.
O vento batia forte na tarde de sexta-feira (27) nos Indaiás e isso dificultava a vida do seu Ivaldo na varrição do túmulo. “Cheguei às 6 horas e estou indo embora agora”, disse quando os ponteiros se aproximavam das 16 horas. “Não sei quanto”, responde quando perguntado quanto ganha por mês. “Acho que uns mil e pouco”, revela. E quantos túmulos? “Não sei”, afirma. 10, 20, 30? “Vixe, é bem mais, viu?”, responde, sem parar de limpar.
Vendedores de flores
De acordo com a Secretaria de Obras e Vias Públicas, no feriado mais de 26 mil pessoas devem passar pelos cemitérios. Por isso, faz mais de 20 anos que Celina da Cruz, moradora do Morada do Sol, trabalha no Dia de Finados. “A cada ano [as vendas] diminuem mais. Temos vasos de flores artificiais a partir de R$ 5”, conta. “Como o cemitério não tem muros, as pessoas vem aqui qualquer hora, por isso não tem um horário fixo”, revela. “Fico até a hora que tiver movimento.”
Em uma das barracas montadas em frente ao Indaiás, a ajudante geral Joseneide Alves, do Campo Bonito, diz que o pagamento ainda vale a pena. “Para mim, compensa o que ela [a dona] paga. Dá para tirar um bom dinheiro”, conta. “Venho no Dia das Mães, dos Pais. Me tornei fixa aqui”, informa. Segundo a Prefeitura, são 20 vagas para ambulantes no local, 15 delas estão ocupadas praticamente pelas mesmas pessoas há décadas.
É o tempo que Rosana Cristina da Cruz, do Jardim Santa Cruz, trabalha na área. “Desde que tenho 6 anos lembro da minha mãe me levando para vender flores no cemitério, ainda em São Paulo”, afirma, aos 46 anos. Mas esta não é a única ocupação que ela tem. “Sou autônoma e já trabalhei em empresas na parte administrativa. Atualmente, estou desempregada, mas sigo vendendo flores. A tendência é só aumentar com esses índices de criminalidade, as muitas doenças e as drogas”, analisa ela, que diz lembrar de quando Indaiatuba tinha apenas o cemitério da Candelária. “Hoje precisa de três, porque esse aqui está cheio e aí abriram o Memorial”, diz.
A mãe de Regina Célia também lembra desta época. “Faz 46 anos que vendemos. Minha mãe foi a primeira que montou em Indaiatuba”, conta. “Sempre trabalhei fora e em empresas, mas esse bico mantenho. A gente chega umas 8 horas nos dias anteriores, mas no dia 2 [Dia de Finados, feriado], temos que estar aqui umas 6”, revela. É na madrugada, inclusive, que ela conta ver alguns visitantes no local. “É bizarro, mas tem gente que vem de madrugada, porque aqui não tem portão e as pessoas vem.”
Tradição
A mãe de Regina é a dona Adelina Gomes Vieira, de 76 anos. Ela está sentada em uma das barracas em frente ao cemitério da Candelária, no Centro, e já dá uma bronca na reportagem antes mesmo da saudação de boa tarde. “Não pode parar o carro aí não, atrapalha a gente”, diz. Depois de explicada a nossa “visita”, ela permite que deixemos o carro no local. “Aqui é tudo em família”, inicia a conversa. “A minha filha está lá no outro cemitério e eu aqui, mas já falei que, se no ano que vem não melhorar, não dá para continuar, não compensa.”
Adelina conta que, em um ano bom, chegou a tirar R$ 5 mil de lucro. “Hoje em dia não dá nem R$ 2 mil porque você precisa pagar funcionário, imposto e tudo mais”, reclama. “Isso porque ainda a gente compra no cheque às vezes e tem que pagar em duas, três vezes”, prossegue.
Apesar de vendedora, ela diz que não deixa de levar flores para os familiares que já se foram. “No dia 2 eu vou lá no túmulo da minha mãe, do meu irmão e levo as flores”, conta. A neta, representante da terceira geração da família no ramo, brinca que “nasceu no meio das flores”, de tanto tempo que se vê na porta do cemitério.
“Eu gosto. Acho que deixo os mortos felizes, eles gostam de receber flor”, diz. “Eu também sempre levo, sempre que posso, não só no Dia de Finados. Acho que as novas gerações não fazem mais isso. Aqui neste cemitério vem mais os idosos, mas acho que o costume vai ficando para trás”, analisa Cristiana Gomes, de 28 anos, moradora do Parque Campo Bonito.
Profissionais “da morte”
Quando se fala em “profissionais da morte” é bom lembrar que essas empresas não são, obviamente, culpadas pelas mortes, mas, sim, prestam a assistência necessária às famílias. É o caso da Funerária Mattioni, que presta serviço 24 horas por dia em Indaiatuba. “Não vivemos da morte, nós amenizamos o trabalho que isso causa e sempre fomos respeitados por isso”, afirma uma representante da empresa. “Trabalhamos no que gostamos e fazemos o nosso melhor, que é um sentimento compartilhado por nossos funcionários”, completa.
Ao todo, de acordo com ela, os agentes funerários são 10, além dos funcionários da área administrativa. “É um serviço que exige muita dedicação, especialização e que abrange muito mais do que se tem conhecimento: do preparo do falecido até as burocracias que o serviço acarreta”, revela.
De acordo com a Fecomercio, o mercado funerário fatura em torno de R$ 7 bilhões por ano no Brasil, com a operação de aproximadamente 5,5 mil funerárias, mil cemitérios privados e 90 crematórios, que empregam de forma direta mais de 50 mil pessoas. Diversos outros negócios ajudam a movimentar este mercado, como floriculturas, transportadoras, indústrias de velas, caixões e urnas.
Adriana afirma que o setor é visto com outros olhos. “Hoje o serviço funerário é muito mais respeitado, já que também nos especializamos. Meu pai sempre foi um homem inovador e que traz para Indaiatuba as novidades do mercado”, revela. “É um mercado crescendo em conhecimento. Nossos agentes funerários são treinados, fazem cursos específicos na área, e principalmente, são profissionais capacitados para lidar com a família neste momento frágil. O perfil deste profissional mudou, com certeza, hoje exige muito mais qualificações”, encerra.
Medo e histórias
Seu Ivaldo termina de limpar o túmulo e vai guardando as ferramentas. “No começo o pessoal falava bastante”, conta. “Dava até medo”, solta. Medo? Perguntamos. “É… eles falavam que eu ia ver defunto e tal, mas hoje eu sei que morto não dá medo em ninguém não, só os vivos”, diz. “Não tenho o que reclamar não. Dá para sobreviver”, revela.
Ele conta que começou no ramo por falta de oportunidades. “Trabalhei 11 anos em uma empresa e o patrão faliu. Logo depois aleijei a mão e falei: estou fo****. Meu estudo é pouco. Aí tive que agarrar essa oportunidade”, lembra. “Trabalho só nisso mesmo. Tenho uma filha casada e quatro netos”, revela. E o que os netos acham de trabalho dele? “Eles gostam. É um serviço, né?”
Entre tantas histórias que passam pelo cuidado de seu Ivaldo ele conta uma aos risos. “Uma vez liguei para uma família que cuido do túmulo e uma menina atendeu. Ela perguntou de onde falava. Eu respondi: do cemitério. Ela disse: ave, Maria! Como assim? Aí eu expliquei para ela que eu trabalhava cuidando dos túmulos e tudo terminou bem”, se diverte.
Fotos: Hugo Antoneli Junior/Comando Notícia