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“Não nos despedimos”, familiares de vítima de coronavírus em Indaiatuba fazem desabafo

Indaiatuba (SP) teve no sábado (18) a segunda pessoa que morreu por coronavírus. Se o número de vítimas traz tristeza, quando estes números se tornam nomes e conhecemos as identidades, a tragédia se torna ainda maior. Um dentista chamado Alexandre Vianna, que atua em Indaiatuba, publicou nas redes sociais um relato emocionado sobre Isabel, a mulher que morreu por causa do coronavírus. Ele se identificou como primo e deu detalhes sobre as últimas semanas de vida dela com a intenção de alertar as pessoas sobre a seriedade deste momento. O texto completo você lê abaixo.

“Esta é a Isabel. Morreu do Covid-19 hoje dia 18.04.20 em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Meu nome é Alexandre e sou dentista aqui há mais de 20 anos. Isabel era minha prima. Dessas que a gente sempre quer por perto pois além de ser uma graça de pessoa, fazia o melhor bolo de cenoura com cobertura de chocolate que já provei. Uma pena você não poder mais experimentar!

Eu tenho uma história para lhe contar. A história dela! Pois esse inimigo, que muitos falam ser invisível, para nós mostrou suas faces mais duras e brutais. Deixou de ser notícia de jornais e deixou de ser estatísticas que conflitamos com nossos conhecidos no Whattsapp. Para nós o Covid mostrou suas armas. Ferozes. Ainda Incompreendidas. Mortais.

A primeira morte do Covid-19 em um hospital de Indaiatuba foi a minha prima. Hoje as 5h da madrugada. A Isabel foi devastada antes de sucumbir! E por isso quero que “ouça” o que tenho para lhe dizer. A Isabel tinha 52 anos, quatro filhos e marido. Uma pessoa do bem. Muito alegre e tranquila. “Mulher brasileira”, guerreira, daquelas que faz bolo em casa para completar a renda da família e que tem um dos filhos professor de universidade, da USP. Bonito de se ver! Humilde, tinha energia de sobra para participar de TODOS os convites que fizemos. Festas, churrascos e cafés da tarde eram os preferidos e só saia quando tinha seus frequentes compromissos com sua Igreja. Tinha lá um projeto que alimentava pessoas na rua.

Um doce de pessoa. Não gostava de confusão de família e quando começavam sempre dizia: “Muita hora nessa calma” e “temos que ter carinho com as pessoas”. Todos a admiravam por isso. Sabia também defender sua família, até deixou familiares ricos por amor. Como se fosse Cinderela ao avesso. Os bolos (já falei deles) muitas vezes foi o que colocou a comida na mesa. Você teria conhecido um verdadeiro exemplo de uma mulher guerreira, uma verdadeira mãe brasileira e um Ser Humano incrível. Mas ela se foi!

Ela foi internada dia 29 de março após breves sintomas como febre alta e falta de ar. Como o protocolo requeria, a Isabel foi para a ala de isolamento no mesmo dia. Nunca mais a vimos. Soubemos hoje que uma das enfermeiras comentou “estou com muito medo desse lugar”. Piorou depois de 3 dias lutando para respirar já com ajuda de cânulas, foi entubada dia 01 de abril.

Não imagine a mensagem que meu primo (marido dela) nos enviou aos gritos de desespero “ela foi entubada, ela foi entubada” 
Aí começou um longo pesadelo de mais de 18 dias. Isolada. Sedada. Picada. Revirada. Rx dia sim dia não. Troca de medicações e gasometrias. É um pavor constante!

Acredito que nesses 18 dias oramos por milagre (“esteja viva amanhã”) umas 10 vezes. Quando não foram 2x ao dia. Esperando desesperados pelos boletins médicos, as 11h e as 21h! Mais uma face: Pânico constante e intermitente! Dois passos para frente pela manhã, vinte passos para traz as noites. E que noites sombrias.

Assistam um bom filme de epidemia! Mas coloquem-se no lugar das pessoas que vão para os campos de isolamento. Multipliquem por Mil. Vocês terão uma certa ideia do que se passa. Mas não saberão tudo. Ela usou tudo o que a Medicina teria para oferecer. Medicamentos, UTI, equipe intensivista. Nada funcionou! A Covid-19 é de uma gravidade desumana.

Tenho também a agradecer todos os profissionais que fizeram muito além de suas competências. Muito além mesmo. Nosso muito obrigado por estarem com ela quando não pudemos. Soubemos que muitos de vocês choraram quando a chama dela apagou. E de que estavam bem ao lado dela. Nos emocionaram. Ela, ao menos, não estava sozinha. Isolada da gente, mas com boas pessoas ao lado. Que Deus os proteja para continuar sua árdua missão que apenas se inicia. Força!

Conhecemos essa penúltima face do feroz Covid-19. Nós não nos despedimos. O último golpe é imaginar sendo embalada com seu caixão lacrado para essa monstruosidade mostrar sua última face: Não abraçamos a quem amamos no velório. Nenhum filho de 15 anos merece ficar sem a mãe porque alguém não fez sua parte nisso. Hoje nos revolta ver pessoas sem máscaras nas ruas. E se encontrando em bares e outros. Não queira passar por isso.

Com lágrimas nos olhos faço meu pedido: Acreditem. O Covid-19 mostrará suas faces para muitos nos próximos meses. Cuidado! Você pode levar para sua casa ou levar para a casa de alguém esse miserável sofrimento. Que Deus esteja conosco!”

foto: arquivo pessoal