Cidades

Finados: cinco representantes de religiões diferentes explicam a morte

HUGO ANTONELI JUNIOR

INDAIATUBA – Tão certo como a morte são as dúvidas e curiosidades que rondam o assunto. Se para a ciência, a morte é o simples parar de bater do coração ou da atividade cerebral, para a fé isso é muito mais profundo e, na maioria dos casos, não representa um “fim”, mas, sim, um “começo” ou “continuação.

No Dia de Finados, feriado católico comemorado nesta quinta-feira (2), o Comando Notícia traz cinco leituras diferentes sobre o que é, quais as consequências e significados da morte. Um padre, um pastor e representantes do espiritismo, umbanda e candomblé falam sobre como cada uma das crenças vê o fim (ou o começo).

Em Indaiatuba, mais de 26 mil pessoas devem passar pelos três cemitérios existentes. Haverá uma programação especial de missas organizadas pelas igrejas católicas. O Comando Notícia também conversou com os profissionais que “usam” a morte como meio de ganhar a vida.

Vamos aos religiosos. As perguntas feitas a eles foram: como a sua religião vê a morte, como vê o Finados e como relembram os que já se foram.

Catolicismo – padre Amauri Ribeiro Thomazzi, igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

“É um feriado católico em que nós fazemos a lembrança daqueles que já estão juntos de Deus. São santos, como nós rezamos no credo, porque já alcançaram a graça, então, Finados é um momento para relembrar eles e nos relembrar o fato de que a vida é passageira, um limite, uma finitude e aqui nós somos como peregrinos, tem essa dupla conotação. Para nós, católicos, a morte é uma passagem, o cristianismo nos garante uma vida que não se limita com a morte, somos peregrinos, nesta peregrinação, a morte é a entrada na vida eterna, quando a peregrinação terrestre termina, a morte é este momento.”

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padre Amauri Ribeiro Thomazzi, igreja Nossa Senhora Perpétuo Socorro, do Jardim Morada do Sol

“Outras religiões também acreditam nisto, sobretudo o cristianismo, não acreditamos que tudo acaba na morte. Cremos em um reino que vem depois deste processo que chamamos de vida, por isso que é importante celebrar finados Também lembrar que a nossas vida irá acabar. Os padres antigos diziam a expressão latina Memento mori, que é algo como: lembre que a sua vida tem um fim, que em algum momento pode acabar, pode ser agora, depois. A morte me coloca em contato com o eterno. Aqui no Brasil é feriado, as celebrações de finados, aqui em Indaiatuba haverão missas nos cemitérios, outras culturas, como os mexicanos, eles cultuam mais o dia de finados, fazem festas, é um momento de celebração e enaltecimento desta passagem da vida para a eternidade. As missas não mudam, o mesmo ritual, com o o destaque e liturgia própria à esta ideia de que aqui somos peregrinos e depois, com a graça de Deus, entramos na eternidade.”

“A vela no catolicismo um significado espiritual e teológico. Ela é a luz que ilumina e é composta por elementos que se consomem, simbolismo do Cristo, que se doa e se esvaziou para nós tivéssemos vida. Nos Finados não tem um significado próprio. As pessoas tem este costume, mas não há algo teológico, para pedir algo. Como a morte sensibiliza, isso é antropológico, nós precisamos naturalmente de mecanismos para diminuir a dor daquele momento. Ir ao cemitério é uma tradição católica. Antigamente o costume era se enterrar a pessoa dentro da igreja, igrejas antigas mantém dentro do espaço delas, os túmulos, e as missas eram feitas em cima. É claro que até por uma questão de saneamento, isso não é viável hoje, não tem como, os cemitérios passaram a existir fora das igrejas, mas anexados a elas, cidades mais antigas em Minas Gerais, por exemplo, os cemitérios eram no fundo da igreja, existe esse pensamento de que a minha vida é passageira e que eu vou descansar o meu corpo no lugar onde eu sempre procurei a Deus, que é a igreja. Aí passaram a existir os cemitérios. Nós temos todos os sábados no cemitério, também para ter este efeito, sempre nos aproximar do que é eterno, olhar que para o catolicismo é importante que é a busca de Deus e diminuir o que afasta. Não cultuamos a morte, entendemos que a morte é uma passagem, nós enaltecemos, mas a cultuamos, achamos que a morte é uma forma de encontrar a vida, embora isso possa parecer antagônico, mas com a morte, acreditamos na vida eterna, a nossa fé nos ensina sobre a alma, que é vinculada ao corpo e o corpo perde o seu princípio vital e a alma assume a busca por Deus.”

Cristãos protestantes – Luiz Neto, teólogo e responsável pelo Campus do Hangar 7 Church

“Nós evangélicos entendemos que o feriado de finados foi instituído pela igreja católica, baseado no livro de Macabeus. Porém esse livro é considerado apócrifo por nós que somos protestantes e também pelos Judeus, ou seja, ele não entra no Canon Bíblico como inspirado por Deus. Nós respeitamos o feriado e as pessoas que fazem suas rezas pelos mortos, porém, não temos isso como costume ou como cultura.”

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Luiz Neto, teólogo e professor responsável pelo Campus, do Hangar 7 Church, no Centro

“A morte é algo natural para o cristão. Nascemos, logo, morremos, porém o que mais nos motiva é a ‘morte’ do nosso eu, para que Jesus Cristo viva em nós, entendemos que somente em Jesus Cristo encontramos a vida, pois ele foi aquele que venceu a morte. Ele nos dá a salvação da morte eterna, nós dá acesso ao reino dos céus após nossa morte física e também a possibilidade de trazermos o céu na terra, assim como ele nos ensinou na sua oração do Pai Nosso. Sempre honramos aqueles que já se foram, que deixaram seu legado nesta terra, transmitimos seus feitos e os horamos, todo amor que eles carregavam. Alguns tem o costume de ir ao tumulo e zelar pelo patrimônio ali do falecido e isso não tem problema nenhum, apenas não cremos que nossas orações possam fazer alguma coisa por aqueles que já se foram, apenas somos gratos por eles à Deus.”

Espiritismo – Dinha Lopes, Centro Espírita Apóstolo do Bem

“Para nós espíritas, nós acreditamos que a morte não existe realmente, que é apenas uma passagem para todos nós, mas que a vida continua, então, nós não acreditamos que os nossos entes queridos, aquelas pessoas queridas que partiram antes de nós, estão lá no cemitério, mesmo em espírito. Não sentimos a necessidade de ter um dia para lembrar ou  homenagear os mortos entre aspas, porque para nós, continuamos vivos, podemos demonstrar o nosso amor qualquer dia do ano, pode até ser o dia 2 de novembro, oferecendo para eles uma oração ou um trabalho para o próximo, que a gente acredita que vai chegar para ele, nós não criticamos quem tem essa necessidade de ir até o cemitério acender uma vela, levar uma flor, cada um tem a sua fé, a sua crença, o que não aprovamos é fazer do cemitério uma sala de visitas, porque muitas vezes os parentes vão no cemitério, os amigos que não se vem há muito tempo, começam a ter assuntos que não vem ao caso na hora e sabemos que ali neste lugar como em todos os lugares, a espiritualidade está presente, tem espíritos de irmãozinhos nossos que às vezes nem sabem que já não estão na terra, dependendo dos assuntos podem até fazer mal para eles.”

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Dinha Lopes, do Centro Espírita Apóstolos do Bem, em Indaiatuba

“Quem sente a necessidade, pode ir [no cemitério], mas vai lá faz uma oração em silêncio, volta para casa e continua o seu dia normalmente. Para nós espíritas é só uma mudança de plano, nós temos que lembrar sim, deles, sempre, não só no dia 2, tudo o que fizer de bom, oferecer para eles, porque é assim que vamos nos encontrar, seja uma flor, uma oração, um trabalho, um ato de caridade, é assim que vamos chegar a eles que partiram antes de nós. Oramos, lembramos, choramos, sim, de saudade, isso é normal em qualquer pessoa que tenha um ente querido que partiu, choramos de tristeza, mas não de revolta, não questionamos Deus o porquê, na oração do Pai Nosso tem o trecho “seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”, então, quando a coisa acontece do jeito dele é porque é o certo.”

Umbanda – sacerdote Juan Fonseca, tenda Arautos da Luz

“No dia 2 de novembro, devido a um processo histórico e cultural de sincretismo,  lembramos de São Lázaro, que para nós da Umbanda simboliza a energia do Orixá Omulú. A energia dele está presente sempre nos fins, no fim da vida, de um ciclo, no fim de algo. Então a gente faz um culto ao orixá lembrando também os nossos ancestrais, espíritos que já passaram pela nossa terra. É um culto sob a energia deste Orixá relacionado aos nossos guias, considerando que todos os guias da umbanda, já passaram pela terra e evoluíram.”

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Sacerdote de umbanda Juan Fonseca, tenda Arautos da Luz

“Fazemos um culto para que estes finais, auxiliando para que os espíritos que ainda se encontram erradicados, em dificuldade, sob a ajuda e a vibração deste Orixá e desses guias, neste caso normalmente a linha dos Pretos Velhos, possam encontrar o seu caminho.  Os terreiros, embora cada um faça o seu ritual nesse dia de Finados, estão fazendo trabalhos e atividades espirituais para os espíritos que precisam continuar sua caminhada e evoluir possam ser ajudados louvando esses guias que vem à terra prestar sua caridade. Como é um dia que há muita movimentação no cemitério, que nós consideramos como um campo sagrado, e como muitas vezes há muita lamentação, muita tristeza, então, há uma atividade grande aos guias de umbanda onde, energeticamente, possam equilibrar estas energias na terra, considerando que nestes campos santos há presença de espíritos que controlam estes ambientes, que trabalham na umbanda e vão equilibrar aquela massa energética toda, muitas vezes de sofrimento, que serão condensadas e dissipadas com auxílio destes espíritos. Os terreiros são pontos de luz e auxílio espiritual neste dia.”

Candomblé – Tatá Roxiluande pai Leandro de Nkosi, sacerdote Nação Angola e presidente da Acoucai (Associação das Comunidades e Cultura Afro Brasileira de Indaiatuba e região)

“No candomblé, a louvação aos mortos é um acontecimento lindo. Todos os anos de entrega é uma louvação, pois a morte para o candomblé é o renascimento em que deixamos a matéria para sermos ancestrais. No candomblé existe vários rituais e um dos que todas as nações realizam e o axexe para as etnias em yuruba ou mukondo. Cada nação de culto aos ancestrais tem o seu dialeto seus costumes. O candomblé, em sua complexidade, cultua os mortos em rituais religiosos desde seu falecimento até os próximos 30 anos e, em casos, para sempre a cada ano um aniversário de morte se este foi um nome um ícone dentro de sua nação, será homenageada e louvado para toda a existência daquela família de santo dele.”

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Tatá Roxiluande pai Leandro de Nkosi, sacerdote Nação Angola e presidente da Acoucai (Associação das Comunidades e Cultura Afro Brasileira de Indaiatuba e região)

“O candomblé respeita a matéria de seus iniciados e cultua a natureza para com a terra que irá consumir a matéria louvamos um sagrado, para com o vento outro sagrado e assim por diante. O candomblé precisa da natureza para tudo. Em um dia chuvoso é um ritual, no dia, à noite e a cada momento a cada hora se louva um orixá, nkisi, vodunsi. O candomblé é o culto à vida, à natureza e aos ancestrais. O candomblé ele existe desde que o mundo é mundo, pois culturais os quatro principais elementos da natureza, quatro estações do ano, quatro posições da lua e quatro cantos do mundo.”

Fotos: divulgação/arquivo pessoal