HUGO ANTONELI JUNIOR
Por cinco vezes no pedido de interpelação judicial, a Prefeitura de Indaiatuba (SP) errou o nome do site em que a matéria questionada foi veiculada. Ao invés de Comando Notícia, o documento protocolado cita o “comando de notícia” ou “comando de notícias”.
O processo movido contra o jornalista Hugo Antoneli Junior, que veio à tona na tarde de terça-feira (11), está em mãos, mas a notificação ainda não chegou. Assim que acontecer, as medidas cabíveis serão tomadas na Justiça e informadas ao público. Entenda abaixo um pouco sobre o pedido de interpelação feito pela Prefeitura em 19 páginas. Dias depois do protocolo o prefeito ameaçou “tomar medidas judiciais” contra fake news.
Ponto a ponto
A Prefeitura diz no pedido protocolado que a matéria sobre a propaganda “contém informações inverídicas e deturpadas da realidade, referente a execução do orçamento público de 2019 atribuído a Secretaria Municipal de Relações Institucionais e Comunicação, o que desinforma o leitor/ cidadão e passa a afetar a correta imagem da Administração Pública Municipal”.
Colocamos aqui, então, abaixo as informações que desmentem a acusação. Na foto 1, o orçamento do município por secretaria, publicado na Imprensa Oficial no dia 17 de dezembro do ano passado, com o valor de R$ 9,6 milhões para “Relações Institucionais”, conforme grifamos. Na foto 2, o requerimento que obtivemos através do vereador Alexandre Peres (SD) com os gastos em uma campanha publicitária.
As alegações seguem. A Prefeitura se incomoda com a frase “com o total de R$ 236.076, é como se a Prefeitura tivesse gasto mais de R$ 1.815 para divulgar cada obra que disse ter feito”, escrita na reportagem. E se defende, “a Prefeitura de Indaiatuba não informa institucionalmente “ter feito” as obras divulgadas, uma vez que todas as obras públicas – objeto da publicidade institucional, foram efetivamente realizadas e entregues ao povo de Indaiatuba – fato público e notório”.
Faltou interpretação de texto neste caso. O Comando Notícia não acusa a administração de não ter feito ou entregado as obras, as palavras “disse ter feito” foram o encaixe na frase e tempo verbal. Por que não escrevemos simplesmente “fez”? Porque não conferimos as obras, a reportagem não é sobre isso, é sobre o custo da publicidade total.
Gastos totais
A Prefeitura ainda alega que o orçamento “JAMAIS prevê a possibilidade de gastos de 9,6 milhões com propaganda”. O Comando Notícia em nenhum momento do texto escreve que “a Prefeitura gasta R$ 9,6 apenas com propaganda”. Antes da frase atribuída há a informação de o “orçamento previsto” para a secretaria “responsável pela propaganda”.
Ou seja: o texto está na condicional. A secretaria, sabe-se, pode gastar ou não. É uma previsão, por isso tem este nome. E sabe-se também, obviamente, que não se gasta exatamente R$ 18 por minuto. Na própria frase está escrito “é como se”. Isso, permitam-me, é usado no jornalismo para tentar dar dimensões ao público. Pouquíssimas pessoas sabem quanto significa R$ 236 mil. Por isso faz-se esta divisão por mês, dia, hora, para exemplificar.
É bom pontuar que em nenhum momento o Comando Notícia veicula frases afirmativas sobre os gastos e nem diz que o orçamento de R$ 9,6 milhões é apenas para publicidade, como sabe-se. A Prefeitura diz ainda que os gastos com publicidade “sequer atingem 30% do orçamento total da pasta, encontrando-se previsto as despesas em R$ 2,8 milhões para o corrente ano”, afirmando também que com os R$ 9,6 milhões pagam-se salários.
Ora, o salário de um profissional de comunicação que faz trabalhos de divulgação institucional não se enquadra em gastos para a publicidade? Os salários de um médico não fazem parte dos gastos da saúde? E dos professores com a educação? É bom reforçar. A reportagem fala sobre os gastos de uma campanha publicitária e não se propõe e explicar o orçamento da secretaria, apenas cita como forma de exemplo e ainda condicionalmente.
Direito de divulgar
A Prefeitura prossegue na interpelação dizendo que tem o direito de divulgar “atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos sejam informados a toda a população”. Correto. E em nenhum momento da reportagem diz que não tem este direito. A reportagem é de dados, apenas informativa, não é um artigo de opinião que, inclusive, caberia e está em acordo com os direitos de livre manifestação de pensamento – mas não foi o caso.
No documento, o setor jurídico da administração se incomoda com o título dizer “propaganda na televisão”, e informa que “deste total o gasto foi com veiculação da campanha, o que inclui gastos com televisão e outros meios de comunicação”.
Curiosamente, a tabela com os gastos está na reportagem e mostra redes de televisão, jornais e rádios. Ou seja, em nenhum momento a reportagem diz que “gastou apenas com televisão”. Há o princípio da informação mais importante, mais relevante no jornalismo e isso que foi usado. Uma propaganda na televisão é mais importante do que no rádio ou jornal impresso, além de, obviamente, mais cara.
Um dado técnico também impede que no título houvesse a inscrição de “rádios e jornais impressos”, o total de caracteres disponível. Não caberia na miniatura avaliada pelo nosso CEO [assistente de publicações do WordPress, plataforma do site] outra palavra, nem “rádio”, nem “jornal impresso” e muito menos, como sabe-se, “apenas”, o que indicaria, sim, um fato mentiroso. Mas prova-se que não foi o caso, novamente.
Acusações pessoais
O documento ainda diz que o recorte de dados na reportagem “que traduz na verdade em um obscurantismo do NOTIFICADO [jornalista Hugo Antoneli Junior] quanto a interpretação do orçamento público municipal e o preceito constitucional da publicidade dos atos da Administração Pública, além de um nítido propósito de desvirtuar a notícia com fins de denegrir a imagem da Administração Municipal”.
Segundo o dicionário Aurélio, “obscurantismo” significa “oposição sistemática ao desenvolvimento do progresso ou estado de completa ignorância”. É bom pontuar novamente que conforme já mencionado os dados estão corretos, portanto não há ignorância. E é estranho que a administração pública considera a divulgação orçamentária específica “denegrir a imagem” [inclusive o termo denegrir deveria ser extinguido].
Outro ponto importante: quem quiser ser agente público precisa estar preparado para ter os gastos e atos amplamente divulgados. Se não quiser que sejam divulgados, não seja agente público. Os dados serão sempre públicos e de utilidade pública. As pessoas que optam por integrar o sistema como agentes ou não. Se escolheram ser: seja secretário, assessor, prefeito ou vereador, que estejam cientes da responsabilidade do cargo.
Por fim, a Prefeitura pede para que haja notificação do jornalista “para tomar conhecimento de todos os termos da presente Interpelação Judicial e por dever de ofício de jornalista, retificar a notícia do dito “comando de notícias” intitulada “Prefeitura de Indaiatuba gastou mais de 236 mil com propaganda na televisão” alcançando todos os propósitos definidos nos artigos 726” e encerra com “dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) somente para fins fiscais”. O documento é assinado pelo procurador do município, Luiz Fernando Cardeal Sigrist.
foto: arquivo/Comando Notícia